Agricultura de base ecológica em assentamentos rurais: o caso do Assentamento Padre Gino

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Autoria: Firmino Manoel Neto

RESUMO: O presente trabalho contempla a Agricultura familiar de base ecológica, no que compreende formas menos agressivas de agricultura ao meio ambiente, que proporcionam melhores condições econômicas aos agricultores familiares, especialmente aqueles com menos recursos de terra e capital. O estudo foi desenvolvido em quatro etapas que abordam desde assuntos introdutórios, que esclarecem sobre os objetivos, até temas como: agricultura familiar de base ecológica, agroecologia e economia solidária, segurança alimentar sustentável, desenvolvimento da agricultura ecológica no que se refere à sustentabilidade e qualidade de vida. Enfim, esclarece sobre a experiência do Assentamento Padre Gino/Sapé, economia, organização da produção, e a agricultura ecológica para além dos aspectos da renda.

Palavras-chave: Agroecologia, Agricultura familiar, Economia Solidária.

Introdução

A agroecologia propõe um conjunto de princípios e de metodologias participativas que apóiam o processo de transição de agricultura convencional para estilos de agricultura de base ecológica. A aplicação desses princípios envolve várias dimensões: ambiental, social, econômica, cultural, política e ética.

A agroecologia vai além dos aspectos técnicos de produção. Ela inclui todo o complexo de relações que estabelecemos com o meio ambiente, assim como as relações entre as pessoas. Então é essencial fazer a nossa parte na preservação do meio em que vivemos, seja na roça, na comunidade, no bairro, no município ou na região que vivemos, segundo a idéia de pensar globalmente e agir localmente.

Desde que começou a se constituir o paradigma Agroecológico e desde que foram retomadas ações da construção das agriculturas alternativas, a referência à agroecologia tem sido bastante positiva. O termo nos faz lembrar formas menos agressivas de agricultura ao meio ambiente, que promovem a inclusão social e proporcionam melhores condições econômicas aos agricultores familiares, especialmente aqueles com poucos recursos de terra e de capital.

Ao investigarmos o tema, estamos tentando do contribuir com a Geografia agrária/meio ambiente. Preocupados com a condição de vida do agricultor familiar e da sociedade em geral do nosso estado, diante de uma realidade onde o atual ritmo de degradação dos recursos naturais está comprometendo cada vez mais o futuro das próximas gerações.

É necessária uma mudança na maneira de perceber o meio ambiente em que estamos inseridos e do qual, o ser humano é parte intrínseca. A agricultura ecológica além de proporcionar a melhoria da renda tem mostrado outras mudanças e realizações, nas dimensões econômicas, ambientais e de vivências. Dentre os quais, o Assentamento Padre Gino, localizado no município de Sapé – PB se destaca por utilizar uma forma de agricultura menos agressiva ao meio ambiente, que promove a inclusão social e proporciona melhores condições econômicas aos agricultores familiares, especialmente aqueles com poucos recursos de terra e de capital.

Com foco nas perspectivas da agricultura familiar de base ecológica e tendo como propósito de responder o seguinte questionamento:

Quais impactos econômicos da Agricultura Familiar de base Ecológica no Assentamento Padre Gino?


Metodologia

Para desenvolvimento e construção dessa pesquisa utilizamos muito das referências bibliográficas, já tornadas públicas em relação ao tema estudado, desde publicações avulsas, boletins, jornais revistas, livros monografias, teses material cartográfico, etc.

O método de pesquisa utilizado para elaboração deste trabalho consistiu em uma Pesquisa Qualitativa do tipo “Estudo de Caso”, denominado História de vida[1].

Os métodos qualitativos são utilizados para descrever, analisar e explicar o problema não fazendo uso de elementos estatísticos para esse fim. O objeto de estudo de caso, por seu turno é uma analise profunda de uma unidade. No entender de Goody (1995,p.25) visa ao exame detalhado de um ambiente, de um sujeito ou de uma situação em particular

O estudo inicia-se com a revisão das obras de alguns dos principais autores que tratam da temática, formando uma fundamentação teórica consistente, favorecendo a correta compreensão e conceituação de Agricultura de base Ecológica.

No campo realizou-se pesquisa qualitativa com aplicação de questionários a todos os agricultores de base ecológica do Assentamento objeto da pesquisa, também foram realizadas anotações em caderno de campo e registro da paisagem da unidade de produção (campo). Foi feito o registro fotográfico para, para utilizá-lo como documento e expressão de memória. A foto é a peça reveladora dos agentes que contribuem com a dinâmica da produção Agroecológica de forma micro-espacial e capaz de registrar os agricultores, produção e o escoamento da produção. As fotos nos dão possibilidades de refletir sobre a problemática e as características de uma pesquisa (VALERIO, 2002).

Resultados e discussão

No Assentamento Padre Gino, a agricultura familiar tradicional em transição para a agroecologia tem buscado apropriar-se das diferentes potencialidades dos sistemas agrícolas e pecuários sustentáveis, seja através do beneficiamento de uma produção diversificada, seja através da comercialização a partir de canais diferenciados, com destaque para a “Feira Agroecológica”.

agricultura ecologica agroecologiaA Feira Agroecológica surgiu como alternativa para otimização do escoamento da produção, onde o agricultor passou a ter maiores informações do mercado. Também passou a ter maior volume de produção, por saber onde vender, ser estimulado a aumentar a produtividade, obter produtos de qualidade, e ainda agregar valor ao seu produto.

Assim, aos poucos a relação dos Agricultores participantes da Feira Agroecológica com os atravessadores começa a se distanciar. Hoje, os Agricultores podem produzir menos e lucrar mais.

Foram aplicados questionários, em Setembro/2008, aos agricultores de base ecológica do Assentamento Padre Gino. Ao aplicar os questionários foi possível constatar que a maioria dos agricultores está dentro da faixa etária de 41 a 60 anos, e são do sexo masculino.

Verificamos também que o principal motivo que levam os consumidores a comprarem os produtos agroecológicos é por serem orgânicos.

Além do discurso ambiental mercantilizado na esfera macro, com objetivos diversos que, quase sempre terminam por reafirmar a lógica do lucro, tem-se também uma preocupação em atender a uma espécie de “novo consumidor” [2], gerado pelo avanço do sistema capitalista.

Esse consumidor atual, que vive a chamada era da informação, é cercado por uma quantidade imensa de produtos e serviços, tornando-o cada vez mais exigente na hora da escolha do que consumir.

Há evidências de que existe uma preocupação crescente desses consumidores com a qualidade de vida e com a saúde. Os “males” do mundo urbano parecem afetar cada vez mais essas pessoas. O stress, o câncer, a depressão e a solidão tornam-se cada vez mais recorrentes cotidianos.

Como resultado desse processo, observa-se uma necessidade de “retorno a natureza”, fenômeno que afeta atualmente diversos setores da economia. Como exemplo desse reencontro do homem com um modo de vida mais saudável observamos ações como: a compra de chácaras afastadas da cidade, a procura do autoconhecimento através da cultura oriental, o apelo aos livros de auto-ajuda, as lotadas academias de ginásticas até uma tentativa de reeducação alimentar.

Ao que tudo indica, os problemas gerados pela dominação e destruição da natureza pela sociedade contemporânea, ao invés de causar uma mudança de paradigma, em relação às práticas de consumo desenfreadas, tem gerado novas linhas de consumo.agricultura ecologica agroecologia

Para atender a essa preocupação com a alimentação, grandes redes de fast-foods, como McDonalds, Spoleto, Vivenda do Camarão, Habib´s, Casa do Pão de Queijo, Bom Grillê, Bob´s, Jin, Burguer King, entre outras, incorporaram aos seus cardápios opções mais “saudáveis”, com ingredientes mais lights.

Essa busca de um modo de vida auto-sustentável proporciona qualidade de vida e dignidade a esses agricultores. O processo de mudança é bastante gradual e parte de uma iniciativa da própria família rural em mudar de vida.

De acordo com o questionário aplicado junto aos agricultores do Assentamento Padre Gino, chama atenção o fato dos agricultores, estarem desenvolvendo experiências que já apresentam resultados concretos nas dimensões ambiental (solo, vegetação, animais, etc.), sócio-cultural e econômica, sobre a qual trataremos aqui de enfocar alguns aspectos. Para situar o contexto dessas experiências, como pode ser observado nos depoimentos de alguns agricultores:

{…} Antes da produção Agroecológica, plantava pouco e esse pouco só achava quem comprasse por migalhas que nem dava pra tirar meu trabalho. Para sustentar minha família tinha de trabalhar alugado para complementar a renda. Mais como hoje com a produção Agroecológica tenho certo a quem vender, e com o dinheiro que ganhei fui aumentando minha área de plantio. Hoje, vivo só da minha renda Agroecológica, livrando mais de um
salário mínimo por mês, com isso, consegui melhorar a vida da minha família, inclusive na nossa casa. Temos os mobiliários necessários para uma familiar ter um pouco de conforto (Agricultor 01).

(…) O resultado das plantações era unicamente para o consumo da família.: “A gente só plantava para comer, não tinha esse negócio de vender, porque a gente não lucrava nada”. Durante muitos anos foi assim, eu plantava para comer e não tinha a renda financeira com o meu trabalho. Aí foi que decidi procurar informações e participar de reuniões para saber melhor a respeito da agroecologia. “Fui à primeira vez e gostei. Daí por diante, comecei a ir sempre as reuniões da Associação da feira Agroecológica e vi que a agroecologia dá certo”. A agricultora notou a melhora da sua área, diversificou o número de plantas e iniciou também a criação de animais. Com esse novo jeito de plantar, ela pôde utilizar o produto do seu trabalho para fazer receitas e vender na feira Agroecológica. “O que a gente tem agora dá para comer e pra vender, só gastamos com açúcar, farinha e goma e quando a feirinha é boa, chegamos a lucrar mais de R$100,00” (agricultora).

Conclusões

A melhoria da renda veio acompanhada de outras mudanças e realizações, nas detenções econômica, ambiental e das vivências, dentre as quais o grupo de agricultores do Assentamento Padre Gino se destaca:

  • O planejamento da produção e a organização do trabalho passaram a ser incorporados como uma necessidade pelo grupo, tornando mais fácil a realização das atividades de forma solidária;
  • A feira possibilita o contato direto com as pessoas urbanas, permite a troca de informações entre quem produz e quem consome os alimentos, fortalecendo as relações entre as partes: o campo e a cidade;
  • A tranqüilidade na vida das famílias de base ecológica aumentou muito, especialmente em relação à saúde, devido à qualidade e a diversidade da alimentação, ao uso da fototerapia e à possibilidade de acesso ao lazer, além da estabilidade econômica e menor índice de riscos na atividade;
  • Na dimensão ambiental, o grupo tem convicção de que quanto menos interferir na natureza, melhor será para a produção e para a saúde das pessoas.

O estudo realizado no Assentamento Padre Gino, mostra que a agroecologia tem sido responsável pela melhoria na qualidade de vida do grupo de famílias de produção Agroecológica. A comercialização direta ao consumidor configura como sendo uma oportunidade de integração social, onde o convívio de produtores com consumidores permite um maior intercâmbio e confiabilidade entre as partes, possibilitando a melhoria da qualidade da produção comercializada.

Por fim, concluímos que o desenvolvimento local integrado e sustentável constituído a partir da produção agroecológica e a comercialização diretamente ao consumidor, através de um modelo de organização com importantes características como: cooperação[3], autogestão[4], viabilidade econômica[5] e solidariedade[6] (ATLAS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL, 2005). Estes fatores melhoraram o potencial sócio-econômico dos assentados envolvidos, refletindo na qualidade de vida dos agricultores e consumidores, aproximando e redefinindo as relações campo-cidade.

Referências Bibliográficas

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[1] O Estudo de Caso é uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa aprofundamente (LUDKE ; ANDRE, 1996).

[2] Esse novo consumidor a que nos referimos, no Brasil, constitui-se de uma pequena parcela da população, a maioria não possui renda suficiente nem para manter uma dieta calórica mínima para a família.

[3] Cooperação – Existência de interesses e objetivos comuns, união dos esforços e capacidades, propriedade coletiva parcial ou total de bens, partilha dos resultados e responsabilidade solidária diante das dificuldades.

[4] Autogestão – Exercício de práticas participativas de autogestão nos processos de trabalho, nas definições estratégicas e cotidianas dos empreendimentos, na direção e coordenação das ações nos seus diversos graus e interesses.

[5] Atividade econômica – Agregação de esforços, recursos e conhecimentos para viabilizar as iniciativas coletivas de produção, prestação de serviços, beneficiamento, crédito, comercialização e consumo.

[6] Solidariedade – Preocupação permanente com a justa distribuição dos resultados e a melhoria das condições de vida de participantes. Comprometimento com o meio ambiente saudável e com a comunidade, com movimentos emancipatórios e com o bem estar de trabalhadoras e consumidoras.


Firmino Manoel NetoTécnico em Agropecuária, Bacharel e licenciado em Geografia – UFPB , Pós-graduando em Agroecologia por tutoria a distância – Centro de Formação de Tecnólogos – CFT- Universidade Federal da Paraíba.Extensionista Rural da EMATER-PB.

E-mail: firminomanoelneto@hotmail.com


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