Especialmente a partir do século XVII, duas correntes de pensamento foram sendo construídas, que interferem diretamente no modo de agir sobre o meio ambiente: a antropocêntrica e a biocêntrica ou ecocêntrica. Enquanto a primeira, coloca o homem como centro do universo, a segunda defende que o homem se insere na natureza como qualquer outro ser vivo, e o mundo natural tem seu valor por si mesmo.
Na visão antropocêntrica, a natureza não tem um valor em si mesma, mas apenas enquanto reserva de recursos naturais a serem explorados pelo ser humano.
O debate a respeito da questão ambiental tem um marco na publicação do “Essay on the principle of population as it affects the future improvement of society”, que era meramente quantitativa, entre o aumento da população, que crescia em proporção geométrica, e a utilização dos recursos naturais, que crescia em progressão aritmética.
Portanto, até o século XIX, predominavam as idéias antropocentristas, nas quais havia uma valorização exclusiva do mundo natural domesticado e dos campos de cultivo.
Para que houvesse uma mudança de mentalidade contribuíram o avanço da história natural e o forte processo de urbanização induzido pela revolução industrial que passou a responder pela má qualidade do ar, do congestionamento e da insalubridade das aglomerações urbanas. Aparece a contemplação da natureza selvagem com possibilidade de isolamento espiritual.
Esse desejo manifesta-se nos escritores românticos que viam a natureza como o lugar de descoberta e do “Paraíso Perdido”.
Como resultado dessas idéias foi criado o primeiro parque nacional do mundo, o de Yellowstone, nos EUA, em 1872, meados do século XX.
Na região preservada, ficou proibido o uso do parque para qualquer uso que não o de parque público ou de área de recreação. Qualquer ocupação era considerada ilegal e passível de remoção.
Portanto, essa exaltação inicial da natureza, ainda que fosse a base para as idéias preservacionistas, estava voltada para as necessidades do homem e continha uma contradição, pois na noção de vida natural/selvagem incluem-se as populações autóctones, que deveriam ser removidas.
Trata-se de uma idéia antropocêntrica, porque ainda que não estivesse sendo vista como apenas fonte de subsistência, era importante na recuperação física e psicológica dos seres humanos, o que ainda tem o homem como centro da questão e porque apenas uma elite poderia ter acesso.
No século XIX surgem duas visões ambientais importantes: a preservacionista e conservacionista.
A primeira tem como base as idéias de que o homem não poderia ter direitos superiores aos animais (depois chamadas de biocêntricas).
Com relação ao pensamento conservacionista, os recursos devem ser usados de forma racional a fim de que sejam conservados. Há três princípios que norteiam esse pensamento: uso dos recursos naturais pela geração presente; prevenção do desperdício; e o uso dos recursos naturais para o benefício da maioria dos cidadãos.
Como durante todo o século XIX, dominava a noção de que os recursos naturais eram ilimitados e, portanto, o progresso era sinônimo de crescimento, desenvolvimento e domínio da natureza, a visão conservacionista dominava.
Quanto ao debate demográfico durante o período de meados do século XIX e meados do século XX, ele se resume à Europa e ainda predomina a visão antropocêntrica, pois três são as idéias básicas: eficiência no uso dos recursos (conservacionista), a equidade no acesso aos recursos (distributiva) e a beleza estética para amenizar tensões (preservacionista).
Com o fim da segunda Guerra Mundial, as questões demográficas passam a ter um outro tratamento, pois muitos passaram a compreender que o crescimento da população tinha uma importância que transcendia as questões econômicas e sociais. Portanto, surgem considerações sobre a estreita relação entre a evolução demográfica e a transformação dos modos de vidas, das escolhas da sociedade e da dinâmica das relações entre os povos.
Quando o aumento do padrão de vida dos países industrializados, mesmo acompanhados de um controle da natalidade, conduziram a aumento do consumo, percebeu-se que o meio ambiente era duplamente afetado: no consumo em si mesmo no uso dos recursos naturais, como na produção dos resíduos.
Nesse momento, a relação do homem com a natureza deixa de ter um enfoque apenas quantitativo, mas também qualitativo.
Surge a necessidade de mudar os padrões de consumo e valores para efetivamente agir em prol da preservação ambiental.
“Segundo Ekersley (1992), as questões da proteção do mundo selvagem e do crescimento populacional são divisores de água nos movimentos e nos vários enfoques ambientalistas. Ele afirma que os chamados “ecocêntricos” tendem a advogar não somente uma diminuição do aumento populacional humano, mas também uma redução dos humanos em números absolutos. Além disso, defendem a criação de áreas naturais protegidas, independentemente da utilidade para os homens. Já, a visão antropocêntrica não dá importância à questão do crescimento populacional, afirmando que uma melhor distribuição das riquezas entre ricos e pobres, e a melhoria da qualidade de vida levam a uma diminuição das taxas demográficas. A criação em larga escala de áreas naturais só se justifica pelo benefício que ela traria à humanidade”. (Carlos Walter Porto Gonçalves)
Enquanto nos anos 1950 e 60, a explosão demográfica tinha importância nas questões sociais, pois o aumento da população anulava o crescimento da economia, nos anos 70, essa mesma questão ressurge por certas correntes ambientalistas.
Surgem as políticas de controle da população em nome da questão social ou da ambiental, que se destinam especialmente aos países africanos asiáticos, latino – americanos e caribenhos, uma vez que nos EUA, Europa norte ocidental, o crescimento populacional havia caído espontaneamente.
Essas políticas tiveram sucesso, haja vista que nos anos 50 o ritmo de crescimento populacional era inferior ao dos anos 38.
Essa desaceleração do crescimento populacional foi importante para que se mantivesse o mesmo impacto sobre os recursos ecológicos, o que quer dizer, que ele compensou, em parte, o aumento da urbanização no mundo. Portanto, se a desaceleração não tivesse acontecido, fatalmente a urbanização no mundo traria maiores prejuízos ao que vemos hoje.
As pesquisas demonstram que os países situados no pólo hegemônico do padrão de poder mundial exercem um maior impacto sobre o planeta, mesmo que o crescimento demográfico seja menor, não só porque as pessoas vivem em média 12 anos a mais, mas também pelo padrão de produção-consumo.
O impacto sobre os recursos naturais é medido pela pegada ecológica.
A pegada ecológica de um estadunidense médio é 12 vezes maior que de um africano, por exemplo, seis vezes maior que de um asiático e duas vezes maior do que a de um europeu-ocidental.
Nesse sentido, conclui-se que o está colocando em risco o planeta não é a humanidade em si, mas como vive a humanidade. “Afinal, o planeta sofre muito mais quando nasce um bebê nos Estados Unidos, ou quando nasce um filho de rico nos países pobres, do que quando nasce um paquistanês, um tanzaniano, um etíope ou um chinês (que não seja filho dos ricos desses países pobres, sublinhe-se).”. (Carlos Walter Porto Gonçalves)
Sempre se associou o desemprego ao crescimento demográfico, utilizando-se esse argumento para as teorias de controle da natalidade. Todavia, mesmo com a queda das taxas de crescimento demográfico, estamos diante de elevadas taxas de desemprego, imposto pelas novas relações de poder por meio das novas tecnologias.
Portanto, além da diminuição das taxas de crescimento, da diminuição da proporção das crianças no conjunto da sociedade, o aumento da média de vida, outra mudança no quadro demográfico é o aumento da proporção dos mais velhos.
Nesse contexto, a idéia da previdência social tornou-se necessária. No entanto, as reformas da previdência não têm demonstrado solidariedade com os mais velhos, o que demonstra a falta de preocupação com as gerações futuras.
O debate, mais uma vez, gira em torno da ótica empresarial de oportunidade de um grande negócio que vem conduzindo o mundo.
Mais uma vez voltamos para a questão da alteração das relações de poder por meio da tecnologia, que implica a precarização das relações de trabalho, aumento da terceirização, desemprego que, associados ao aumento da média de vida traz desequilíbrios e perigos à vida da humanidade e do planeta.
Mais uma vez, fica claro que precisamos pensar em mudanças de paradigmas e não reduzir o debate a cálculos atuariais.
Na cultura ocidental, prevalece a idéia de dominar a natureza e assim tudo aquilo que ameaça a vida: pragas, doenças, fomes, catástrofes naturais. Nessa idéia, está contido o desejo de dominar a morte. Na sociedade ocidental, a morte deixa de ser cultuada. No cotidiano, somos invadidos por fórmulas mágicas para afastar o contato com o envelhecimento. Por isso, tantos produtos e cosméticos são oferecidos como fórmulas mágicas de frear o contato com a aproximação do fim da vida. As plásticas também estão dentro desse contexto.
Mais uma vez estamos diante do raciocínio dicotômico do mundo ocidental, onde se condena a morte na busca incessante da vida. A morte faz parte da vida. É o que nos ensina a ecologia e todas as religiões.
Nesse contexto, abandona-se a preocupação com os mais velhos e a morte. Precisamos pensar em uma sociedade pautada em outros princípios.
Outro fator com o qual nos deparamos nos dias de hoje é o crescente números de mulheres com responsabilidades como chefes de família. Esse é um dos efeitos dramáticos dentro desse processo de reorganização societário baseado na globalização neoliberal.
Temos que repensar esse modelo neoliberal, pois a mulher abriga em seu próprio corpo a reprodução da espécie, o que, também não quer dizer que a questão da reprodução seja uma questão exclusivamente feminina.
Vale citar: “No espaço dos shoppings os espelhos convidam cada um a olhar para si mesmo. A ausência de luz natural no seu interior nos faz abstrair do espaço e do tempo da cidade que os envolve. Na praça do shopping center não podemos nos manifestar livremente. Ali não há céu. Por todo lado, um convite à alienação, um convite a que não nos vejamos como parte do ambiente que nos contém.”. (Carlos Walter Porto Gonçalves).
Em 2000, segundo a Onu, mais da metade da população vive em áreas rurais e não é nos países industrializados que se encontra a maior parte da população urbana mundial. No entanto 70% da população urbana vivem favelas ou em preferias.
“Podemos afirmar que estamos assistindo a um processo de desruralização mais do que urbanização, isto é estamos diante muito mais de um desfazer rural do que da conformação do urbano, segundo a ONU. Afinal, a maior parte dessas populações vive sem que os serviços urbanos mais básicos, como saneamento, habitação, saúde, educação e transporte.” (Carlos Walter Porto Gonçalves).
Assim, essa população está muito mais vulnerável a doenças, a enchentes, a desmoronamentos de encostas. A violência deixa evidente que estamos longe da regra de civilidade de um regime democrático cujo convencimento se faz pela palavra, argumentação e não pelo uso da força.
Essa urbanização provoca o aumento de concentração da população o que traz impactos ambientais muito grandes, pois várias questões se colocam mais seriamente quando a população não está dispersa, como o lixo, abastecimento de águas, saneamento básico, dentre outras….
“O impacto ambiental da população urbana não se reduz exclusivamente à escala local ou ao sítio urbano propriamente dito. É o que nos ensina a análise da pegada ecológica calculada para algumas cidades em diferentes regiões do mundo. A população de Londres, por exemplo, corresponde a 12% da população total do Reino Unido, todavia, exige uma pegada ecológica de 21 milhões de hectares ou simplesmente, toda a terra produtiva do Reúno Unido, segunda cálculos de Herbert Giardet do London Trust. Atentemos para a gravidade desse dado: O Reino Unido só consegue sustentar 12% da população e, assim 88% da pegada ecológica dos habitantes do Reúno Unido se dá sobre as áreas de outras regiões do planeta”. (Carlos Walter Porto Gonçalves).
Segundo o informe do PNUMA de 2002, um habitante de uma cidade típica da América do Norte tem uma pegada ecológica de 461 hectares, enquanto na índia a pegada ecológica é de 45 hectares por habitante.
Nesse contexto de globalização neoliberal, surgem os meios de comunicação empresariais de grande porte que produzem uma verdadeira massificação por mei
o da publicidade e do marketing produzindo necessidades ainda não existem.
Como a cultura das populações sem instrução formal é rica em expressões audiovisuais, a televisão, que é um meio de expressão de áudio e visual, vem sendo usada para fabricar a subjetividade de forma capitalista. “Há, uma rica estética na publicidade que instiga o desejo de todo dia, o dia todo. A paisagem pobre das periferias urbanas está antenada com o simulacro das tevês. Há uma violência simbólica de enormes implicações para a vida urbana.”. (Carlos Walter Porto Gonçalves).
A mídia instiga essas contradições sócios ambientais e dá sentido às relações de poder da sociedade produtivista-consumista que se fundamenta no individualismo narcísico.
Quero encerrar o trabalho, citando mais uma vez Carlos Walter Porto Gonçalves, em seu livro A Globalização da natureza e a natureza da globalização : “Talvez aqui a entender por que o desafio ambiental é o único que se coloca para além das fragmentações tão em voga, na medida em que implica uma verdadeira revolução cultural. Como se vê, o desafio ambiental é mais complexo do que vem sendo posto no debate midiático e, até mesmo científico. Requer uma profunda reflexão de caráter filósofo para entender o sentido do nosso tempo, o sentido da vida, enfim, o destino da polis que é, também, a physis. Se política é a arte de definir os limites, como acreditavam os gregos, é essencialmente político ambiental de nosso tempo – afinal, o desafio se resume à idéia de que há limites para a relação da humanidade, por meio de cada sociedade, para com o planeta”.
Tudo nos concita a buscar uma outra relação da sociedade com a natureza, onde a justiça social e a sustentabilidade ecológica se façam por meio da liberdade, todos tenham direitos iguais para afirmarem a sua diferença. Que a diversidade biológica e a cultural, na igualdade e na diferença, sejam vistas como os maiores patrimônios da humanidade! O mundo está grávido disso, é só ficarmos atentas àqueles que lutem por uma outra globalização”.
Autora: Cissa de Almeida Biasoli
Bibliografia:
Carlos Walter Porto-Gonçalves. A globalização da natureza e a natureza da globalização.
Heliana Comin Vargas. População e meio ambiente na entrada do terceiro milênio: em busca de uma nova ética.
Iria Zanoni Gomes. A construção de uma nova subjetividade.