O crédito de carbono será a nova commodity do Brasil

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Nunca o mundo precisou tanto das florestas brasileiras – e isso poderá ser uma enorme oportunidade para o país. É o que defende Elizabeth de Carvalhaes, presidente do Ibá, associação que reúne empresas dependentes de madeira e investidores de florestas plantadas no Brasil. Para ela, a busca por uma indústria de baixo carbono – obrigação que hoje faz parte da agenda dos 195 países signatários do Acordo de Paris – dará ao Brasil a  a chance de, finalmente, decolar, transformando-se no maior exportador mundial de serviços ambientais. “O mundo precisará cada vez mais de madeira e de crédito de carbono”, diz ela. “Nós somos o país com o maior potencial para entregar tudo isso.”

Chefe do International Council of Forest and Paper Associations (ICFPA), o cargo institucional máximo do setor de base florestal mundial, Elizabeth estará nesta semana na Alemanha, onde discute em reuniões com a ONU e empresários de 19 países soluções para ajudar a deslanchar o acordo de clima – fazendo rodar o promissor mercado de créditos de carbono. “Não tenho dúvida que essa será a nova commodity brasileira”, diz Elizabeth. “É muito maior que o pré-sal”. Nesta entrevista, ela explica os motivos de seu otimismo e aponta os desafios a serem superados para que o país não deixe a oportunidade passar.

Por que o otimismo em relação às perspectivas para os negócios ambientais no Brasil?
De todas as tarefas dificílimas estabelecidas na Conferência do Clima de Paris (COP-21), a mais difícil de todas é a migração mundial para uma indústria de baixo carbono. Não estamos falando de um ou dois países, mas de 195 nações que assinaram o acordo e, agora, precisam de alternativas para cumprirem suas metas. Isso passa necessariamente pela substituição de combustível de origem fóssil por energia limpa. A madeira é uma das alternativas para essa migração. Talvez a mais importante delas. Vem daí – somado ao aumento populacional – a estimativa da FAO (órgão das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) de que a demanda por madeira vai triplicar até 2050, chegando a 8 bilhões de metros cúbicos por ano. Isso é mais ou menos 250 milhões de hectares adicionais de florestas, uma área equivalente à soma dos territórios de Espanha, França, Itália, Alemanha, Finlândia e Noruega. Nós temos madeira. Nós temos produtos da madeira que são combustível limpo, como a lignina. Com nossas opções de energia limpa, mais nossas florestas, que removem carbono, o Brasil pode ser a solução para muitos países que não têm mais áreas para plantio e vão precisar adquirir créditos de outros lugares.

De que maneira essa maior demanda por madeira e a busca por uma indústria de baixo carbono podem ajudar o Brasil, para além da indústria de floresta e celulose?
Todos os setores brasileiros vão se beneficiar, entre outras coisas, porque essa demanda pode impulsionar o mercado de crédito de carbono em todo o mundo. Nós temos, comparativamente a países como Estados Unidos ou China, uma indústria de baixo carbono. Temos, além disso, possibilidades para reduzir emissões em diferentes atividades. Os outros países só têm ônus. Não têm onde plantar, não têm como reduzir a atividade. O Brasil vai, sem dúvida, aparecer como solução. O Brasil é famoso por exportar commodities. Agora vai exportar serviços ambientais.

A oferta desses serviços poderia substituir a importância das commodities na nossa economia?
São coisas paralelas. Se tirar commodity, eu mato a galinha dos ovos de ouro. O Brasil vai exportar commodities e também superávits de carbono e mais uma gama de serviços ambientais.

Então, isso será uma nova commodity?
Ah, isso sem dúvida. É a commodity do futuro. E pode ser melhor que o pré-sal. Quantos pré-sal não valem nossas florestas ou o potencial que temos de ser superavitários em créditos de carbono? Essa é a chance de o Brasil decolar. Durante muitos anos, todo mundo ficou falando do gigante adormecido, sem saber direito como acordar esse gigante. Pois está aí: a conferência do clima com as demandas por uma indústria global de baixo carbono abre muitas perspectivas para um país como o Brasil. Não dá para perder essa oportunidade. Mas, para isso, é preciso fazer a lição de casa.

Qual seria a lição de casa do Brasil?
São tarefas difíceis. Precisamos dar valor econômico às nossas florestas. E aí é preciso extrapolar o setor de florestas plantadas, que é o qual eu represento. A plantada, nesse cenário, é o de menos. Você só pode dar valor econômico a uma floresta como a Amazônia, por exemplo, terminando com o desmatamento. E por desmatamento, entenda-se, desmatamento ilegal.  A Amazônia tem que ser explorada economicamente. Tem 20 milhões de brasileiros que moram lá. Há formas de aproveitar a floresta, com manejo sustentável. Já tem empresas fazendo isso bem, como a AMATA. Os mecanismos estão aí. Agora, precisamos chegar a um conceito comum. E isso não é fácil. Precisamos criar também um mercado interno para os créditos de carbono, que é uma maneira de valorar a floresta e beneficiar aqueles que fazem a coisa direito. O governo brasileiro vem fazendo estudos nesse sentido, de como seria o mercado doméstico de carbono. Isso não está pronto, mas está acontecendo.

Como isso se aplica na prática? Poderia dar um exemplo?
No meu setor, por exemplo, precisamos de energia para alimentar as caldeiras na produção de celulose. Hoje, boa parte da produção já é feita a partir de combustíveis menos poluentes. Quando a indústria faz essa migração – de trocar diesel por lignina, por exemplo -, o impacto no meio ambiente diminui. Esse ganho, esse saldo pode ser precificado e negociado. Pense no pequeno produtor rural. Se ele faz bom uso do solo, dos recursos hídricos, ele capturou carbono. Esse cara precisa ser compensado. Há processos industriais que são impactantes no meio ambiente e serão sempre. Esses setores mais importantes podem compensar – financeiramente – aqueles que operam com baixa emissão e têm um saldo, um crédito a oferecer ao mercado.

O mercado de carbono é discutido há muito tempo. O que muda agora?
Hoje, 40 regiões no mundo já precificaram o carbono e têm um mercado operante. Alguns exemplos estão na costa oeste dos Estados Unidos até Quebec, no Canadá, há outros 14 lugares na China e também na Austrália e Nova Zelândia. O que eles fazem é estimular o mercado, via benefícios para quem consome produtos com baixo carbono ou via taxação para indústrias que não cumprem determinadas metas. Mas são políticas domésticas, não há um marco regulatório. Parte do trabalho agora, que é o desdobramento da COP-21, é olhar esses sistemas, ajustar, readaptar, criar regras que possam funcionar para as mais de 190 nações. Esse é o desafio, a grande tarefa até 2020. É o ponto principal – desenvolver o artigo 6 do acordo, criando os mecanismos de mercado para que a coisa possa acontecer em todo planeta.

A sra. faz parte do Conselhão (órgão criado em 2003 pelo governo Lula, reunindo dezenas de empresários e representantes de classe para discutir com o Executivo políticas públicas para o desenvolvimento econômico). As questões ambientais têm sido colocadas à mesa? Qual é a avaliação interna do governo sobre a prioridade de desenvolver esses serviços ambientais?
No Conselhão, essa matéria aparece ainda um pouco diluída. Hoje, são as grandes reformas estruturais que tomam conta da agenda – previdenciária, trabalhista. A gente discute coisas de curtíssimo prazo. Mas resolvidas as questões mais estruturais, que incluem ainda reforma tributária, fiscal, a gente precisa consolidar o mercado de carbono no Brasil. Como já disse, não podemos perder essa oportunidade. Ela é muito importante para o país.

Para Elizabeth de Carvalhaes, presidente do Ibá, o país tem à frente sua maior chance de, finalmente, decolar – transformando-se no maior exportador mundial de serviços ambientais

Mas como promover esse avanço?
Isso é algo que já aconteceu repetidas vezes na história da economia – como fazer A chegar em B? Com incentivo. Precisa de políticas políticas. Mas esse é um mercado que não pode depender exclusivamente de políticas públicas. Não há capacidade nos tesouros do governo para colocar as exigências da conferência do clima em pé. Não é somente no Brasil. É em qualquer lugar. Então, é preciso pensar em uma sistema que seja capaz de se retroalimentar. O dinheiro para a melhoria climática virá das próprias ações para a melhoria climática. Lá atrás falava-se em conferência de clima e todo mundo pensava em bicho-grilo, natureba. Isso acabou. Não estamos tratando apenas de meio ambiente, mas de economia, de dinheiro, money. É assim que as coisas vão funcionar.

Fonte: Época Negócios

Fonte: http://rmai.com.br

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