O tema de estudo dos pesquisadores são os sistemas dinâmicos complexos, como, por exemplo, a circulação oceânica e atmosférica e os diversos ecossistemas do planeta. Esses sistemas podem sofrer perturbações, mas, em geral, são resilientes e conseguem manter a sua dinâmica usual. Em determinados momentos, porém, se houver uma perturbação sistemática, o sistema pode atingir o limite crítico, os chamados tipping points (pontos de virada, em tradução livre), e “ter sua dinâmica geral totalmente alterada”, explicam os pesquisadores.
O cenário mais comum estudado é o biestável, ou seja, tem um estado desejável e um indesejável coexistindo. A transição de um estado para outro a partir das perturbações tem um caráter de histerese, que em linhas gerais significa que a mudança é praticamente irreversível. “Uma vez que eu atingi um limite e passei pelo ponto crítico, se eu inverter a tendência que causou essa transição, eu não volto mais ao trajeto que eu tinha antes, eu percorro um outro percurso pelo estado indesejado [que ocorreu após o ponto crítico]”, descreve Medeiros. “Eu tenho que voltar muitas condições, até o ponto em que o estado indesejado também sofre um tipping point. Isso é marcante. Uma vez ultrapassada a fronteira, eu não posso mais recuperar facilmente a dinâmica que eu tinha antes”, explica.
Um exemplo aplicado é a dinâmica de desertificação, que tem dois estados: um com vegetação perene e um de fato desértico. Esse sistema pode sofrer perturbações diversas, como a urbanização ou a utilização dos seus recursos, mas, em geral, com o ciclo de chuvas ele consegue se recuperar, até determinado limite. “Uma vez que vire deserto, não importa mais o que você faça, você não vai ter mais o estado que tinha antes”, aponta o pós-doutorando.
Transiente
Segundo os pesquisadores do IF, a maior parte da literatura já produzida sobre o tema tem como enfoque prever o momento da transição crítica, desenvolvendo técnicas para antecipar a transição e, dessa forma, conseguir revertê-la. O que eles fizeram, diferentemente, foi se perguntar o que acontece após a transição ocorrer.
Utilizando-se de um sistema matemático simples que reproduz um ciclo, os pesquisadores chegaram a uma conclusão inédita: em alguns casos, os sistemas passam por um período transiente, em que há uma falsa impressão de normalidade.
Na prática, ao invés da transição do estado desejável para o indesejável ocorrer de forma abrupta e facilmente reconhecível, ela passa por esse momento transiente em que, temporariamente, há uma falsa impressão de normalidade. “O comportamento que foi extinto na transição continua se repetindo depois dela. Só que ele não é mais estável, ele se repete de forma transiente, dá uma aparência de que continuou o mesmo. Depois de um tempo grande, você vai ver o estado indesejável, mas, por um tempo inicial, você ainda vê o estado desejável. Isso pode confundir, pode fazer com que a transição, ao invés de parecer abrupta, ela pareça suave. E transição suave é tratada de uma forma mais amena, ela pode ser revertida, ela é outra classe de transição”, explica Medeiros.
Uma das aplicações da descoberta se dá na análise de uma espécie em extinção. “A espécie pode já ter passado do ponto sem retorno, do limite crítico, e estar condenada à extinção, mas ainda há espécimes observados na natureza, o que pode dar uma falsa impressão”, explica o pós-doutorando. “Então a principal coisa é que a gente alertou para o fato de que transições suaves podem no fundo ser críticas, podem ser tipping points, pontos de virada, mas estão escondidas atrás dessa aparência de normalidade”, completa.
Mais informações: e-mail ibere@if.usp.br, com o professor Iberê Caldas
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