A Área de Proteção Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana tem 410.498 hectares e está localizada na transição do primeiro e segundo planaltos do Paraná, principalmente, ao longo de uma região caracterizada por ambientes heterogêneos, conhecida como Campos Gerais. Decretada como Unidade de Conservação em 27 de março de 1992, a área está seriamente ameaçada pela possibilidade de aprovação ainda no primeiro semestre deste ano do Projeto de Lei nº 527/2016, que pode reduzir em torno de 70% de seu perímetro, podendo trazer consequências desastrosas a esse patrimônio natural e cultural tão importante.
A Escarpa Devoniana se destaca por apresentar características peculiares – dado o relevo movimentado e profundamente recortado – e apresenta sítios singulares como cachoeiras, canyons, afloramentos rochosos típicos e relevos em forma de ruína, furnas, cavernas, fendas e sítios arqueológicos. Outra peculiaridade da área está relacionada à fisionomia da vegetação, distinta das demais regiões paranaenses, em vista do caráter disjunto, formando mosaicos, próprios das características específicas de sua topografia, solo e clima.
Os campos predominam na paisagem da escarpa e datam de uma época remota de clima frio e árido. A vegetação é considerada a mais antiga do estado do Paraná. Além disso, entre a matriz campestre e os afloramentos rochosos, ocorre a Floresta com Araucária, que se apresenta, com frequência, como manchas quase circulares ou como matas de galeria que se manifestam especialmente em encostas, depressões ou nas cabeceiras das nascentes e ao longo dos corpos d’água, onde o solo é mais profundo e concentra maior acúmulo de detritos orgânicos.
Nessas florestas naturalmente fragmentadas, além da presença emergente do pinheiro-do-Paraná (Araucaria angustifolia), é notável a riqueza e composição de espécies arbóreas, particularmente de uvalhas, cambuís, guamirins e canelas. Acompanhando os leitos dos rios, essas florestas são dominadas por espécies típicas adaptadas à saturação hídrica, especialmente o branquilho. Apesar de a maioria dos capões e florestas de galeria estar em estágio secundário de sucessão – em consequência de um histórico de explorações tanto no ciclo da erva-mate quanto da madeira – é marcante a variação na composição e diversidade, mesmo em áreas geograficamente próximas, em decorrência da grande heterogeneidade dos ambientes, grau de interferência antrópica, exposição à inundação, estágio sucessional e zona de contato com outras associações vegetais.
Estudos realizados no Parque Estadual do Guartelá, localizado na porção norte da Escarpa Devoniana, revelaram uma alta diversidade de espécies arbóreas, superior à encontrada em áreas contínuas de Floresta com Araucária e equivalente à registrada na Floresta Atlântica, possivelmente pela influência direta da floresta estacional, caracterizando uma região de transição. O clima, com médias de temperatura mais elevadas, contribui com um processo que estimula a misturas de floras.
A paisagem florestal, ainda que em mosaico, apresenta importância fundamental na disponibilidade de alimento para a fauna silvestre e na formação de corredores ecológicos, capazes de unir remanescentes para que as espécies, tanto da flora, quanto da fauna, possam se deslocar e garantir fluxo gênico, sucesso reprodutivo, dispersão de sementes e, consequentemente, assegurar a biodiversidade da região. Além disso, a vegetação ao longo dos rios está diretamente relacionada à manutenção da qualidade da água e estabilidade do solo das áreas marginais, funcionando como filtro de escoamento superficial e protegendo os cursos d’ água de adubos e defensivos agrícolas.
Esses fragmentos florestais abrigam espécies arbóreas nativas que constam na Lista Oficial de Espécies da Flora Brasileira Ameaçada de Extinção. Já estão incluídos na categoria “vulnerável” o pinheiro-do Paraná e a imbuia. Na categoria “em perigo” figuram o xaxim-bugio e a canela-sassafrás. Na Lista Vermelha de Plantas Ameaçadas de Extinção para o Estado do Paraná, são encontradas na categoria “rara” a peroba e uma espécie de guamirim; na categoria “vulnerável”, aparece a canela-fedida e em perigo de extinção o fruta-de-boi. Esses fragmentos florestais emergem como os últimos repositórios da diversidade original, configurando diversos sítios prioritários para a conservação, além de proporcionar valiosa oportunidade de obtenção de informações científicas sobre a sua composição, estrutura e funcionamento, dados indispensáveis aos programas de recuperação de áreas degradadas.
“Apesar de algumas regiões pontuais dos Campos Gerais ainda preservarem paisagens naturais pouco modificadas (…), a intensificação do uso da paisagem regional tem levado a uma substituição significativa da cobertura vegetal.”
Apesar de algumas regiões pontuais dos Campos Gerais ainda preservarem paisagens naturais pouco modificadas, como consequência de um relevo acidentado que dificulta a expansão de latifúndios, a intensificação do uso da paisagem regional tem levado a uma substituição significativa da cobertura vegetal. Nesse cenário, estima-se que áreas urbanas, de monocultura e florestamentos ocupem 60% de toda região. O plantio de espécies invasoras, como o pinus e o eucalipto, tem alertado as consequências para sua disseminação, como contaminador biológico, favorecendo áreas de baixa funcionalidade ecológica.
Na contramão de inúmeras pesquisas recentes que salientam a importância e contribuição das áreas nativas protegidas para impedir a emissão de carbono à atmosfera, é questionável e lamentável que, num estado onde menos de 10% do seu território preserva parte da sua vegetação, o governo venha propor a redução de uma Unidade de Conservação em região singular, dotada de peculiaridades ambientais e culturais.
É necessário e urgente que a opinião pública denuncie as consequências da perda do patrimônio natural em benefício de uma pequena parcela da sociedade que negligencia essas riquezas naturais em nome de seus próprios interesses econômicos para vantagens imediatistas.