Uma revisão de conceitos importantes à Gestão Ambiental

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Para o estudo detalhado de Gestão Ambiental, em especial no que condiz a parte de levantamos geográficos, biológicos, de biodiversidade, etc., faz-se necessário buscar embasamentos nas ciências da Ecologia e da Biogeografia bem como em seus conceitos.
 
O conceito de Ecologia surge em 1869 por Heckel que enuncia a Ecologia como sendo “o estudo das relações dos seres vivos e de seu meio” (TRICART, 1979), um conceito limitante em relação a sua dimensão espacial e temporal por ainda não explorar a fundo as características evolutivas da Terra e dos animais, porém, inovador para a época. Este conceito foi sendo aprimorado e inovado sendo entendido por Odum como “o estudo do habitat dos seres vivos” (ODUM, 1983), porém o conceito mais abrangente e completo é dado por Krebs (1996) como sendo 
[…] o estudo científico dos processos que regulamentam a distribuição e a abundância de seres vivos e as interações entre eles, e o estudo de como esses seres vivos, em troca, intercedem no transporte e na transformação de energia e matéria na biosfera (ou seja, o estudo do planejamento da estrutura e função do ecossistema) (KREBS, J. 1996). 
Definido assim, pode-se dizer que a Ecologia é o estudo das inter-relações entre organismos e o seu meio físico, pois se sabe que nenhum organismo, sendo ele uma bactéria, uma árvore, ou o próprio ser humano, pode existir autonomamente sem interagir com outros, ou mesmo com o ambiente físico no qual ele se encontra. O objetivo da Ecologia concentra-se “[…] especialmente nas relações dos seres vivos e nos ciclos energéticos e biogeoquímicos, na produção primária das comunidades e na dinâmica das populações” (TROPPMAIR, H. 2004).
 
A Biogeografia, considerada ramo da Geografia Física, será responsável pelos estudos das distribuições geográficas dos organismos, no passado e no presente. Assim como a Ecologia preocupa-se com o caráter temporal e principalmente espacial nos estudos das evoluções, inter-relações e distribuições dos seres vivos, bem como da sua relação com o meio. Assim sendo, a Biogeografia é 
[…] o estudo das características do espaço resultante dos elementos (e de sua integração), do funcionamento, da evolução e do padrão espacial da combinação entre as plantas, os animais e solos – incluídos os aspectos próprios do clima e da geomorfologia – que se encontram dentro de certo espaço e que o distingue dos outros espaços.” (CROWLEY apud PASSOS, 1998).

Sobre isso, enquadra-se também a concepção de Biogeografia de Troppmair, que afirma ser a Biogeografia
 
[…] o estudo das interações, da organização, dos processos espaciais do presente e do passado, dando ênfase aos seres vivos – biocenose – que habitam determinado local: o biótopo.” Como na Ecologia, o objeto da Biogeografia também são os seres vivos, incluindo aí os seres humanos, quando visto como participante de uma biocenose , portanto, integrante das cadeias alimentares e dependente das condições ambientais, tendo assim como objetivo estudar os seres vivos, sua participação nas estruturas, nas inter-relações e nos processos dos geossistemas, numa visão sistêmica têmporo-espacial (TROPPMAIR, H. 2004).

Paralelamente ao início e evolução da Ecologia e da Biogeografia, tivemos os avanços nos estudos sistêmicos, que levaram na década de 30 a publicação da “Teoria Geral dos Sistemas” proposta pelo biólogo Ludwig Von Bertalanffy em 1937 como base analítica e prática para todas as ciências. (GREGORY, 1992). Ele não concordava com a visão cartesiana do universo e colocou então uma abordagem orgânica da biologia e expos a ideia de que o organismo é um todo maior que a soma das suas partes. Criticou a visão de que o mundo é dividido em diferentes áreas, como física, química, biologia, psicologia, etc. Ao contrário, sugeria que se deve estudar sistemas globalmente, de forma a envolver todas as suas interdependências, pois cada um dos elementos, ao serem reunidos para constituir uma unidade funcional maior, desenvolvem qualidades que não se encontram em seus componentes isolados. O princípio básico do estudo de sistemas é o da conectividade.
 
Pode-se compreender um sistema como um conjunto de elementos com um conjunto de ligações entre esses elementos; e um conjunto de ligações entre o sistema e seu ambiente, isto é, cada sistema se compõe de subsistemas, e todos são parte de um sistema maior, onde cada um deles é autônomo e ao mesmo tempo aberto e integrado ao meio, ou seja, existe uma inter-relação direta com o meio (GOMES, 2000).
 
Em análise, a atenção pode ser dirigida para a estrutura do sistema, seu comportamento, que envolve transferência de energia, seus limites, seu ambiente, seu estado, seja de transição ou de equilíbrio, e seus parâmetros, que não são afetados pela operação do sistema (GREGORY, 1992). Um sistema assim definido tem, portanto, uma estrutura definida pelas relações estabelecidas e um estado descrito pela situação do conjunto em um determinado momento do tempo, mas em diferentes segmentos do espaço, pois os atributos dos lugares contém uma distribuição espacial. O conjunto de relações refere-se a um conjunto de lugares e validas somente para este conjunto de lugares. Definido um sistema de relações, modificações em um atributo qualquer acarreta modificações nos outros, de uma forma especificada nos parâmetros que governam as relações entre os referidos atributos (FAISSOL, 1998).
 
A abordagem sistêmica caracteriza-se pela utilização dos conceitos da Teoria Geral dos Sistemas como um método de analisar um determinado objeto de estudo. Porém a forma sistêmica de pensamento já se fazia presente, por exemplo, nos estudos de Tansley que em 1936 formulou o conceito de Ecossistema, que “[…]se baseia nas interações entre os diversos seres vivos entre si e com o meio no qual eles vivem” (TRICART, 1979) e mais atualmente pode ser definido como sendo um “sistema de interações em funcionamento, composto de um ou mais organismos vivos e seus ambientes reais, tanto físicos, como biológicos” (STODDART apud TROPPMAIR, 2004). Essa perspectiva de início não apresenta um caráter espacial, mas tempos depois passou a exercer certa influência na Ecologia e, por conseguinte na própria Biogeografia.
 
O estudo dos sistemas, que já prestara relevantes serviços às ciências exatas, foi primordialmente introduzido à Geografia por Chorley em 1962. A forma sistêmica de pensamento foi adotada, segundo GREGORY (1992), na Geografia sucessivamente pela Biogeografia, Geografia dos Solos, Climatologia e Geomorfologia, e esse processo de adoção estendeu-se por trinta e cinco anos, de 1935 a 1971, quando foi publicado pela primeira vez o livro “Physical Geography: A systems approach” de Chorley e Keneddy.
 
A partir do esboço teórico-metodológico proposto por Sotchava (1963) e Bertrand (1968), os geógrafos procuram desenvolver análises sistêmicas integradas da paisagem, a partir de abordagens centradas na biogeografia, criando assim os primeiros estudos sobre os Geossistemas (PASSOS, 1998; MONTEIRO, 2000).
 
O Geossistema corresponde a um determinado tipo de sistema. O conceito definido por Sotchava (1963) corresponde à aplicação do conceito sistema e a concepção sistêmica da paisagem. Para o autor os arranjos dos elementos do meio natural formam um mosaico que é a própria organização do espaço geográfico. Para esta perspectiva de conjunto de componentes, processo e relações dos sistemas que integram o meio ambiente físico, em que pode ocorrer exploração biológica, Sotchava define como Geossistema. (SOTCHAVA, 1977). Para Troppmair, embora os Geossistemas sejam fenômenos naturais, todos os fatores sociais e econômicos que influenciam este sistema espacial devem ser levados em consideração; o mesmo define que o Geossistema compreende um espaço que se caracteriza pela homogeneidade dos seus componentes, suas estruturas, fluxos e relações que integrados, formam o sistema do ambiente físico e onde há exploração biológica. (TROPPMAIR, R. 2004).De forma mais simples, Passos define que “O Geossistema, como o ecossistema, é uma abstração, um conceito, um modelo teórico da paisagem. Nele encontramos todas e cada uma das características que definimos como próprias de todo o sistema.” (PASSOS, 1998), revela-se assim um caráter mais próximo ao estudo das paisagens geográficas.
 
No aspecto histórico dos Geossistemas, Suertegaray ao citar textos clássicos de Sotchava, Tricart, Bertrand, Christofoletti e Monteiro, vêm trazer a ideia que a busca de articulação na perspectiva sistêmica ultrapassou a dimensão analítica referente à materialização do que se convencionou chamar de natureza. Para a autora a grande inovação dos geossistemas é a inclusão do homem em suas análises, retomando a discussão sociedade e natureza da Geografia; para a autora “[…] ao buscar este caminho construíram-se conceitos como o de geossistema, que, por sua vez, ultrapassa na sua construção a integração com o conhecimento da natureza. Ultrapassa, porque inclui o homem (a ação do homem) neste contexto.” (SUERTEGARAY, D. 2002).
 
Sobre todos esses termos pode-se concluir que o ambiente é a maior relação existente entre Biogeografia, Ecologia, Ecossistemas e Geossistemas. Sendo que a Ecologia é responsável pelo estudo detalhado dos seres vivos em seus ambientes, a Biogeografia se encarregua de estudar a distribuição têmporo-espacial da ocupação desses seres vivos no ambiente, e o Ecossistema e Geossistema responsáveis pelo estudo integrado das ligações existentes entre os elementos de um ambiente delimitado e da participação antrópica nos mesmos.
 
O processo evolutivo da urbanização causa modificações nos sistemas, gerando assim em algumas vezes um estado de desequilíbrio que tende a ser normatizado pelo próprio sistema gerando assim um novo equilíbrio, mas nos momentos de desarmonia gera situações adversas ao componentes desse sistema, seja ele o ser humano (através de enfermidades e desastres), ou seja, o próprio meio (enchentes, aquecimento das temperaturas, etc.). Porém, já citou-se que as cidades não são geossistemas, pois não fazem parte de um bioma e sim constituem-se numa nova manifestação espacial, um novo ambiente, o urbano.
 
Por não haver autorregularização e equilíbrio, Troppmair (2004) opta por não considerar as cidades como um ecossistema, mas sim, um Sistema Urbano, que funcionam como sistemas abertos que mantém relações com outros sistemas. Nas cidades há entradas de matéria e de energia, e há saídas de matérias acabadas e mesmo de ideias. As inter-relações dos sistemas urbanos se estendem até fora do perímetro das cidades, podendo atingir extensos espaços que constituem as áreas de influência.
 
O processo de urbanização, no caso brasileiro, gerou uma série de problemas ambientais que as caracterizavam, e toma-se a cidade como um campo de interações entre a natureza e a sociedade, em permanente intercâmbio e construções, autores como Monteiro (1976) com o Sistema Clima Urbano (S.C.U.) e Mendonça (2004) com o Sistema Ambiental Urbano (S.A.U.), propõem formas de estudo sistêmicos da cidade, levando em conta fatores diversos do ambiente urbano.
 
Em relação à fauna que habitam as cidades, o adensamento urbano leva a uma concentração de recursos e de resíduos, a alterações na paisagem, no clima, no sistema de drenagem, uso do solo, etc. A fauna atual nos núcleos urbanos é afetada por inúmeros fatores, tanto ecológicos quanto ao processo evolutivo, sendo um reflexo não apenas de uma depauperação da composição faunística original (anterior aos processos de urbanização), mas também da repetida introdução de espécies exógenas. Ela é fruto não apenas desta diversidade atual de sistemas urbanos, mas também de fluxos de fauna entre tais sistemas, de efeitos de borda e de gradientes locais e gerais de urbanização. As intervenções humanas regulares, tais como técnicas de jardinagem, uso de pesticidas, herbicidas e inseticidas constituem um último e importante fator que define a composição faunística nas cidades (JAPYASSU & BRESCOVIT, 2003).
 
Dessa forma, as cidades emergem como um sistema ecológico complexo, com uma dinâmica muito particular e que merecem atenção não apenas pelo interesse acadêmico de compreensão das variáveis que o determinam, mas também pelo fato das espécies que o compõem frequentemente adquirem importância econômica, estética ou afetiva, requerendo muitas vezes medidas de controle populacional (ROBINSON apud JAPYASSU & BRESCOVIT, 2003).
 
Autor: Leandro Rafael Pinto

REFERÊNCIASCHRISTOFOLETTI, A. As Características da Nova Geografia. In: Perspectivas da Geografia. São Paulo: DIFEL, 1982. p.71-101.
FAISSOL, S. Teorização e quantificação na geografia. In: Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro, 34 (01), p. 7-26.1998.
 
GOMES, I. Geossistemas: Sistemas e Subsistemas Naturais da Regional Barreiro – Belo Horizonte -MG – Brasil. Monografia de Conclusão de Curso. IGC/UFMG. 2000.
 
GREGORY, K. J. A Natureza da Geografia Física. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1992. 1ª ed. 364 p.JAPYASSU, H. F.; BRESCOVIT, A. Biodiversidade Araneológica na cidade de São Paulo: a urbanização afeta a riqueza de espécies? Disponível em: <http://www.ambientebrasil.com.br/composer.php3?base=./urbano/index.html&conteudo=./urbano/artigos/ecoaranhas.html.> Acessado em: 22 de abril de 2008.
 
KREBS, J. R.; DAVIES, N. S. Introdução a Ecologia Comportamental. São Paulo: Atheneu, 1996. 1° Ed. 420 p.MENDONÇA, F. Riscos, vulnerabilidade e abordagem socioambiental urbana: uma reflexão a partir da RMC e de Curitiba. In: Desenvolvimento e Meio Ambiente, Curitiba: Editora UFPR, 2004. jul./dez., n. 10, p. 139-148.
MONTEIRO, C.A.F. Geossistemas: a história de uma busca. São Paulo: Ed. Contexto, 2000. 126p.
PASSOS, M. M. dos, Biogeografia e Paisagem. Maringá: UEM, 1998. 278 p.
SOCHAVA, V. B. O Estudo de Geossistemas. Métodos em Questão. São Paulo: IG-USP, 1977. n.º 16.
SUERTEGARAY, D. M. A. Geografia Física (?) Geografia Ambiental (?) ou Geografia e Ambiente (?) In: MENDONÇA, F.; KOZEL, S. (orgs.) Elementos de Epistemologia da Geografia Contemporânea. Curitiba: Ed. UFPR, 2002. p. 111 – 120.
TRICART, J. L’analyse de système et l’étude intégrée du milieu naturel. : Annaies de Geographie. Paris: Librairie Armand Colin, 1979. n. 490, p. 705 – 714. Tradução de Francisco Mendonça.
TROPPMAIR, H. Biogeografia e Meio Ambiente. Rio Claro: Divisa, 2004. 6ª ed. 205 p.
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