Nosso mundo tem salvação

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“A guerra (foi) uma resposta política e social às circunstâncias econômicas modificadas. Entretanto, foi a natureza da sociedade que mudou com a transição da caça-coleta nômade para a agricultura sedentária, não a natureza do homem. (…) Aqueles que acreditam que o homem é inatamente agressivo, estão fornecendo uma desculpa conveniente para a violência e para a guerra organizada.”

RICHARD LEAKEY


A Rede Sinodal propõe que este ano reflitamos a respeito do nosso mundo e as perspectivas em salvá-lo, movendo-o para a busca da Paz. Essa campanha deve se estender a todos, independente de opção religiosa. Assistimos o recente ataque dos Estados Unidos da América ao Iraque em busca de maior poderio econômico, a busca desenfreada pelo crescimento, esquecendo-se que a cada míssil lançado poderia ser sanada a fome de milhares de pessoas e garantir-lhes vida digna, pois cada míssil custa em média um milhão de dólares, isso sem falar dos efeitos desastrosos para as vidas humanas que morrem no momento e às sobreviventes resta os efeitos nocivos no ambiente dos efeitos químicos das armas. São tantos problemas e tanto ódio que alimenta a alma de alguns dirigentes sedentos de poder, que às vezes perdemos as esperanças de que possamos ainda (re)construir um mundo melhor. Esse é nosso objetivo neste pequeno espaço de discussão: refletir sobre os males que assombram o mundo numa perspectiva histórica e mostrar que apesar de tudo, ainda há esperança.

Para compreendermos a sociedade atual, precisamos entender sua história: como ela foi organizada, podendo, desta forma, captarmos que a sociedade industrial e pós-industrial é resultado de um movimento civilizador que contém a contradição entre dominantes e dominados.


A Sociedade Capitalista tem sua origem na Europa, com a transição do modo de produção Feudal (que era uma sociedade agrária, onde a nobreza feudal e o alto clero moldavam a vida das pessoas e exploravam os trabalhadores que pagavam pelo uso da terra) para o mundo urbano-industrial (séc. XIV), que revoluciona a vida das pessoas, pois o comércio traz consigo a divisão social do trabalho, fazendo surgir as classes sociais (Burguesia: proprietários dos meios de produção – terras, fábricas, máquinas, bancos; e o Proletariado: trabalhadores que trocam sua capacidade de força de trabalho por salário para garantir sua sobrevivência). Por ser uma mudança radical tanto na economia (surgimento das classes) como na Política (nasce o Estado Moderno, comandado por empresários, não mais pela nobreza feudal e o clero) e na Ciência (grandes inventos), muitos denominam de Revolução. A idéia de progresso e enriquecimento se propaga, nascendo o sentimento de individualismo e nesse contexto também surge a Escola – onde a educação agora teria um espaço formal para adaptar os indivíduos aos valores da sociedade capitalista que emergia.

Podemos perceber até aqui, que a sociedade foi sendo estruturada de cima para baixo, sem a participação da maioria, organizada para possuir valores egocêntricos, fazendo prevalecer o crescimento econômico sobre a própria vida humana. Valores estes, que ficaram congelados e cristalizaram-se por mais de 500 anos na mente das pessoas, fazendo com que as pessoas não percebam que há uma outra maneira de ver o mundo, pois suas mentes estão algemadas. Essa forma de ver o mundo como a única possível em uma relação causa-efeito, tem muito a ver com o rumo que foi dado às coisas e não à própria natureza humana em si.


A divisão social do trabalho contribuiu muito para que tivéssemos essa visão mecânica das coisas, fragmentada, pois o importante era cada um realizar bem sua função, sua parte, não importava entender o todo. A ciência valorizava mais a técnica, a descoberta sobre a vida, do que a própria vida em si: trouxe a cura para doenças outrora incuráveis, mas também o desenvolvimento da indústria bélica. Enquanto poucos enriqueciam, muitos empobreciam. As fábricas forçavam a migração rural para as cidades, pagavam salários baixíssimos, fazendo aparecer miséria, prostituição, desemprego e outros problemas sociais, como os desequilíbrios ambientais.


A Bacia Amazônica no Brasil – considerada uma das últimas grandes áreas naturais da Terra – está sendo explorada através de técnicas como derrubadas e queimadas, que provocam degradação e erosão do solo: mais de 60 000 km2 de mata virgem são derrubados todo ano por empresas brasileiras e multinacionais, destruindo um habitat biodiversificado, natural e insubstituível.


Na Europa, as águas dos mares Báltico e Mediterrâneo tornaram-se muito poluídas; o mar de Barents, por sua vez, está contaminado com rejeitos de combustível nuclear da marinha russa. A chuva ácida, causada por emissões de fábricas e usinas nucleares, está destruindo as florestas do norte.


Um estudo da antropóloga Alba Zaluar demonstra que o Brasil hoje é famoso no mundo por causa das mortes violentas que atingem crianças e adolescentes. Calcula-se que 70% das mortes violentas no Brasil atinjam adolescentes entre 15 e 17 anos,50% das quais seriam atribuídas à ação de grupos de extermínio, 40% a grupos de traficantes e 8,5% à polícia. O problema reside na dificuldade de separar essas três categorias e comprovar a autoria das mortes.


Nosso mundo tem salvação, sim, mas precisamos do envolvimento de todos nessa luta, juntando-nos aos movimentos sociais que lutam pelos direitos humanos/sociais, pela vida digna, pela paz, pelo ambiente, pela eticidade e a solidariedade. A luta pela Paz pressupõe a busca por maior justiça e equilíbrio social, a luta pela não-violência, zelando pelo planeta em que vivemos, criando a consciência de que somos uma teia inseparável de relações, que ‘não apenas evoluímos no planeta, mas com ele’. Perceber, enfim, que somos uma única realidade, pois, como afirma Fritjof Capra: “Quando percebermos que nós e o planeta, somos, na verdade, um só, uma realidade, uma só consciência, teremos chegado ao ponto de descobrir que não foi apenas uma atitude, mas uma mutação“.


Autora: Maria Alice Canzi Ames



Artigo publicado no Cooperjornal, Três de Maio e Santa Rosa, RS, 07 de junho de 2003, p. 04 – Opinião.
Maria Alice Canzi Ames – Licenciada em Ciências Sociais, Mestre em Educação nas Ciências, Professora da Sociedade Educacional de Três de Maio/RS e Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI.

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