O efeito estufa e o mecanismo de desenvolvimento limpo

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O processo de aquecimento global do planeta – o efeito estufa – resultante do bloqueio da radiação de calor efetuado pelos gases, impedindo a sua volta para o espaço e aquecendo a superfície terrestre, tem como conseqüências mudanças climáticas e a previsão de aumento de temperatura média global da Terra em até 4,5o C nos próximos 100 anos.

Embora a maioria dos gases do efeito estufa seja também produzida pela natureza, o acréscimo derivado da atividade industrial conduz (ou conduziu) ao desequilíbrio da natural sustentabilidade. A natureza produz gases de efeito estufa, mas nela existem também processos que os absorvem.

O conjunto é sustentável quando a velocidade na produção dos gases é menor do que a velocidade que a natureza age para compensar os danos decorrentes da sua permanência prolongada na atmosfera. O dióxido de carbono (CO2), em especial tem efeitos danosos para o meio ambiente, principalmente devido à velocidade crescente com que vêm produzidos para atender às necessidades do modelo consumista da vida atual. A concentração de CO2 vem crescendo a taxa de 0,4 % ao ano. Estima-se que as atividades humanas lancem 5,5 bilhões de toneladas de carbono na atmosfera atualmente.efeito estufa

A mudança do clima e as suas causas são problemas que vem sendo estudados de maneira significativa há mais de duas décadas. Chefes de Estado de quase todos os países, preocupados com as alterações no clima do nosso planeta, reuniram-se no Rio de Janeiro em 1992. A Convenção Internacional para a Melhoria do Clima realizada durante o ECO 92 definiu que o problema é global.

A Terceira Conferência dos Países que ratificaram a Convenção Internacional do Clima, realizada em Kyoto, Japão, em dezembro de 1997, procurou encontrar um mecanismo que conduzisse à retomada da sustentabilidade, tendo em vista os diferentes níveis de desenvolvimento em que se encontram os vários países do mundo. Foram atribuídas responsabilidades específicas e diferenciadas pelo efeito estufa, levando–se em conta que os países industrializados são os que mais produzem gases de efeito estufa, enquanto que os países em processo de desenvolvimento econômico apresentam uma quantidade maior de sumidouros naturais e emitem uma quantidade proporcional bem menor desses gases. Assim, foram consideradas duas vertentes: a primeira seria orientada para a redução da emissão dos gases de efeito estufa; a segunda seria o reforço da atuação da natureza através da neutralização natural dessas emissões em sumidouros naturais como as florestas.

Esse mecanismo visa estimular a participação de todos no esforço global da melhoria do clima, consubstanciado em um compromisso dos países industrializados em reduzir a emissão líquida dos gases de efeito estufa, quer através da redução de emissões brutas quer pelo aumento dos sumidouros. Na Conferência de Kyoto, foi criado o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL. Através dele, os países considerados ricos podem, através de compensações financeiras aos países em desenvolvimento, contabilizar créditos nos casos em que as suas emissões de gases excedam as cotas pré-estabelecidas.

Esses recursos seriam destinados a investimentos em projetos de reflorestamento, por exemplo, que contribuem para reduzir a presença de carbono na atmosfera. Embora as florestas primárias não estejam incluídas nos projetos do MDL, só a floresta amazônica, segundo dados do INPE, retira da atmosfera cerca de 6 quilos de carbono por hectare por dia, o que generalizado esse número para toda a Amazônia, significa que a floresta brasileira estaria seqüestrando 850 milhões de toneladas de carbono por ano. As reduções de emissões poderiam ser vendidas para outros países visando baixar os custos da implantação de tecnologias não poluentes. Os países compradores poderiam utilizar os certificados de redução de emissão para cumprir os seus compromissos.

Seqüestro florestal do carbono refere-se ao processo de mitigação biológica das plantas de absorver o CO2 do ar e fixá-lo em forma de matéria lenhosa. No início dos anos 90 este mecanismo de seqüestrar o carbono foi lançado na Convenção do Clima da ONU como um instrumento de flexibilização dos compromissos de redução das emissões de Gases Efeito Estufa (GEE) dos países com metas de redução. Trata-se de uma das modalidades dentro do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto para compensar os compromissos de redução de emissão para mitigar as mudanças climáticas. Este mecanismo estabelece, também, que os projetos MDL devem contribuir para o desenvolvimento sustentável do país hospedeiro ao critério de seu governo. Portanto, no que diz respeito à pertinência dos projetos MDL ao país, estes devem passar pela aprovação dos respectivos governos nacionais, segundo suas necessidades e prioridades específicas, a depender de sua matriz energética, condições geomorfológicas e inserção político-econômica de cada país.

O seqüestro florestal do carbono envolve, de um lado, governos de países e/ou empresas transnacionais intensivas em emissão com compromisso de redução especificado pela convenção do clima. Estes financiam os projetos de seqüestro de carbono para obter os créditos de carbono visando compensar parte das emissões. De outro lado, estão as empresas, sociedade civil, ONGs ou governo de países em desenvolvimento, interessados em hospedar estes projetos, com o intuito de obter esses recursos para variados fins.

Em Kyoto, foi estabelecido um critério econômico para estimular a necessária cooperação global do conjunto dos países. É possível, porém, que a natureza do problema seja diferente da natureza da solução proposta, que tem uma abordagem essencialmente econômica. O problema é de natureza ambiental predominantemente. A solução proposta é inadequada para tornar factíveis as recomendações do Protocolo de Kyoto, pois não cria uma consciência global de que é necessário diminuir a emissão de gases de efeito estufa a níveis compatíveis com a capacidade da natureza de absorvê-los.

Sob a ótica financeira adotada pelos países industrializados, trocar os compromissos ambientais por títulos financeiros será fatalmente vantajoso para os mais ricos, que poderão, por exemplo, obter vantagens através de venda tecnologia usada nesse processo. Para cumprir os seus compromissos, os 32 países mais industrializados listados no anexo I do Protocolo de Kyoto, grandes poluidores poderiam pagar ao invés de reduzir as suas emissões e, assim, lançar mão do argumento que estariam contribuindo da mesma forma para a redução global de emissões.

Exemplo de projetos:

  • Holanda financia usina elétrica movida a biomassa, com potencial de 8 MW de energia gerada a partir da queima da casca de arroz no Rio Grande do Sul. A Bioheat International (trader holandesa) negociou os créditos de carbono com a Josapar e com a Cooperativa Agroindustrial de Alegrete no valor de cinco dólares por tonelada de carbono. A Holanda é país integrante do Anexo 1 da Convenção e pretende atingir metade das suas metas de reduções internamente e a outra metade no exterior (www.diariopopular.com.br, 2004);
  • Projetos de aproveitamento do gás metano liberado por lixões das empresas: Vega, de Salvador, BA e Nova Gerar, de Nova Iguaçu, RJ. O gás metano é canalizado e aproveitado para gerar energia, deixando de ser liberado na atmosfera naturalmente pela decomposição do lixo. A pesar de o gás ser o metano, a redução de emissões é calculada em dióxido de carbono: 14 milhões de ton de CO2 em 16 anos para a Vega  e 14 milhões de ton de CO2 para a Nova Gerar em 21 anos.
  • Projeto Carbono Social, localizado na Ilha do Bananal, TO, esse projeto reúne as qualidades de seqüestro de carbono em sistemas agroflorestais, conservação e regeneração florestal com enfoque principal no desenvolvimento sustentável da comunidade. A princípio o projeto não pretendia reivindicar créditos de carbono e foi financiado pela instituição britânica AES Barry Foundation e implementado pelo Instituto Ecológica. A meta inicial de conservação do estoque e seqüestro de carbono era de 25.110.000 ton de C em 25 anos, mas pela não concretização de parcerias esse estoque de C foi drasticamente reduzido (Fixação de Carbono: atualidades, projetos e pesquisas, 2004; Carbono Social, agregando valores ao desenvolvimento sustentável, 2003);
  • Projeto Plantar, primeiro projeto brasileiro do Fundo Protótipo de Carbono. Com cunho comercial, essa empresa de reflorestamento nasceu com incentivos de plantação de eucalipto no fim dos anos sessenta  e mais tarde para aproveitar a matéria prima entrou para o setor siderúrgico. Seus créditos são provenientes da substituição de uso do carvão mineral para vegetal, melhoria dos fornos de carvão pela redução da emissão do metano e reflorestamento de 23.100 hectares com eucalipto, totalizando 3.5 milhões de ton de C.

O MDL, sob esta ótica econômica, pode estimular, por outro lado, os países muito pobres a ganhar recursos financeiros sem esforço, vendendo as suas florestas como sumidouros, isto é, como se fossem seus bens particulares, recursos que na realidade, são da natureza do planeta e patrimônio comum da humanidade. A preocupação com os mecanismos que permitirão a compra e a venda de Certificados de Emissões de Carbono nas bolsas de valores vem crescendo, esperando-se a comercialização internacional de créditos de emissão de carbono – que terá uma demanda prevista de 20 bilhões de dólares anuais.

O que nos interessa, entretanto, são os mecanismos de desenvolvimento limpo, que possibilitarão recursos financeiros para projetos em países em desenvolvimento para uma efetiva redução das emissões de carbono. É preciso não perder de vista que o esforço de expansão econômica do Brasil de forma sustentável deve reforçar o perfil ambientalmente saudável da matriz energética brasileira, incluir novo e mais eficiente processos industriais, substituir combustíveis poluentes e usar bio-combustíveis renováveis ou biomassa vegetal, bem como as outras fontes de energia limpa como a solar, hidroeletricidade ou eólica ao lado de um amplo programa de revegetação de áreas historicamente degradadas. O Brasil, que teve papel importante na definição e negociação da proposta do MDL, deve se engajar nas determinações do Protocolo de Kyoto objetivando a melhoria do clima do planeta e não como uma mesquinha tentativa de “tomar uns trocados” dos países industrializados. Na esfera das relações econômicas as variáveis quantitativas habitualmente são utilizadas para espelhar a performance de produtos e serviços. Os problemas ambientais, no entanto, são infinitamente mais complexos.
A abordagem economicista do problema do aquecimento climático preocupa-se excessivamente, por exemplo, com o fim das reservas de petróleo e justifica assim, a busca de tecnologias alternativas para substituí-lo. Mas por que não considerar a hipótese de que o petróleo não esteja no limite de exaustão de suas reservas e que o aumento insustentável da poluição e o aquecimento global poderão atingir níveis tão elevados quando nos aproximarmos do fim das reservas que o mundo correrá o risco de chegar ao fim antes de queimarmos o último petróleo?

Autor: Bruno Luiz Lopes de Souza

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