Atualmente, enfrentamos sérios desafios, entre os quais, a complexidade e diversidade existente na problemática ambiental. Assim, dentre as fontes de degradação ambiental, os resíduos sólidos gerados por serviços prestados na área da saúde representam uma peculiaridade importante; pois quando gerenciados inadequadamente, pelos estabelecimentos geradores, oferecem risco potencial ao ambiente, à vida, devido às características biológicas, químicas e físicas atreladas a estes resíduos.
A Pesquisa Nacional sobre Saneamento Básico, realizada em 2000, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2002), revela o dramático cenário brasileiro referente aos resíduos sólidos de serviços de saúde. Dos 5.507 municípios brasileiros, 2.041 não fazem coleta diferenciada dos resíduos de serviços de saúde; dos 3.466 municípios que coletam os resíduos sólidos de serviços de saúde, 1.193 não fazem nenhum tipo de tratamento; 2.569 municípios fazem à disposição final dos resíduos de serviços de saúde no mesmo aterro dos resíduos sólidos urbanos e apenas 539 municípios encaminham os resíduos sólidos de serviços de saúde para locais de tratamento ou aterros especiais.
Visto o grande volume de resíduos gerados e mal gerenciados pelas instituições de saúde, essa problemática vem sendo cada vez mais objeto de preocupação de órgãos de saúde, de órgãos ambientais, de prefeituras, de técnicos e pesquisadores da área. Isso se verifica pela vasta quantidade de legislações e referências bibliográficas existentes, que preconizam condutas de gerenciamento dos resíduos nos locais onde são prestados serviços à saúde (COELHO, 2000).
É inquestionável a necessidade de implantar políticas de gerenciamento dos resíduos sólidos de serviços de saúde nos diversos estabelecimentos de saúde, como hospitais, centros universitários, farmácias, clínicas médicas, laboratórios, clínicas odontológicas, consultórios, ambulatórios, clínicas veterinárias, entre outros. Para que isso ocorra, não basta apenas investir na organização e sistematização dessas fontes geradoras, mas, fundamentalmente, faz-se necessário despertar uma consciência humana e coletiva quanto à responsabilidade com a própria vida humana e com o ambiente. Nesse sentido, Formaggia (1995, p.11) sugere que “os profissionais devam preocupar-se com os resíduos gerados por suas atividades, objetivando minimizar riscos ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores, bem como da população em geral, que possam vir a ter contato com os resíduos”.
Stédile et al. (2000, p. 1.485), em seus estudos referentes à sistematização de fontes geradoras de resíduos sólidos de serviços de saúde, evidenciam que os problemas relacionados aos resíduos sólidos de serviços de saúde são complexos e exigem dos profissionais da saúde não apenas um posicionamento consciente, mas, sobretudo, disponibilidade para colaborar na sua resolução. É possível que existam falhas durante o processo de formação nos cursos de graduação, de forma de que os mesmos não privilegiem o estudo dessa temática e também não invistam, ou invistam pouco em pesquisas com esse enfoque. Destacam ainda que as soluções dependem de uma série de decisões tomadas em diferentes níveis do sistema, tais como, profissionais formados de maneira diferente daquela compartimentalizada existente nas universidades.
Comumente, frente à problemática dos resíduos nas instituições de saúde, as soluções apontadas centram-se predominantemente na implantação do seu manejo, sem que o processo como um todo, desde a sua produção até os diferentes encaminhamentos a serem dados, seja abordado. Parece ser predominante a preocupação com o produto em si, com sua saída dos ambientes geradores, sem considerar todos os fatores que envolvem as etapas do processo de manejo, desde o próprio preparo dos profissionais, que muitas vezes se encontram desinstrumentalizados para lidar com os resíduos provenientes das atuações.
Cabe destacar que a construção do saber resíduos sólidos de serviços de saúde é importante no processo de formação dos cursos da área da saúde, até mesmo para se ter ciência das diferentes etapas que envolvem o manejo dos resíduos, ou seja, ter conhecimento sobre a classificação, de como segregar, acondicionar, enfim, todas as demais etapas, mas julga-se que somente o conhecimento não é suficiente, pois implica também o exercício de cidadania, os deveres em relação a essa questão dos resíduos. Se os profissionais colaborarem ou não com o manejo, a sua transgressão não implica necessariamente, uma punição, pois comumente não é identificado quem fez, reforçando a importância da necessidade da responsabilidade, pelas questões éticas envolvidas, pela identidade com a educação ambiental, porque extrapola a questão do dever, da punição, do controle, da lei, e a educação ambiental envolve justamente como se vive numa sociedade, em que todos nós somos responsáveis pela sua sustentabilidade.
Diante disso, parece ser relevante problematizar essa questão de pesquisa, no contexto da educação ambiental, num entendimento de que para implantar técnicas de gerenciamento de resíduos nas diferentes fontes geradoras da área da saúde, sem levar em conta os indivíduos que compõem esses ambientes, faz-se necessário um investimento em todos os profissionais que atuam nos âmbitos da saúde, de forma a prepará-los e potencializá-los para lidar com essa questão. Como já dito, isso foi percebido nos locais de atuação da pesquisadora, em que havia gerenciamento de resíduos, mas parecia acontecer o descomprometimento dos profissionais envolvidos na área da saúde em relação à produção de resíduos nos seus ambientes de trabalho.
Esses profissionais pareciam atuar de forma isolada, sem perceber a dimensão de suas ações e as inter-relações com os diferentes aspectos, ou seja, suas ações implementadas cotidianamente pareciam desconectadas, isoladas do todo, reduzindo o ambiente e desconsiderando diversos aspectos de interdependência entre o manejo de resíduos sólidos dos serviços de saúde com questões éticas, responsabilidade social, de exercício de cidadania, dentre outras (DIAS, 1993 p. 26).
Nesse sentido, a educação ambiental é entendida como uma educação comprometida em resgatar o sentido de totalidade desse ambiente, procurando romper com o modelo de educação tradicional, em que o mundo e o próprio processo de construção do conhecimento é percebido de forma parcial, fragmentada, reducionista e simplificada.
Assim a educação ambiental nos ensina a buscar o sentido da totalidade, sendo indispensável, para isso, uma visão integral, que nos leve a tomar consciência de que outras dimensões constituem partes integrantes de nossa realidade e que cada um estabelece relações com o resto do mundo. Essa compreensão implica abertura, aceitação, consciência planetária e pressupõe a existência dos mais diferentes diálogos para que possamos reconhecer que, como seres vivos, estamos todos interligados. Isso nos ajuda a desenvolver uma consciência ética, de exercício de cidadania, de responsabilidade social, de respeito, de valorização nas relações, que traduz um novo modo de pensar, sentir e agir com o ambiente (MORAES, 2004).
Reconhece-se a necessidade de que, para compreender e enfrentar a problemática dos resíduos sólidos de serviços de saúde e suas implicações, é preciso não restringir o olhar aos seus limites, mas ter uma visão mais ampla desse problema; em outras palavras, é preciso ter uma visão sistêmica, no sentido de entender que tudo está interligado e relacionado com o todo. À medida que a vida é vivida a partir de uma perspectiva especializada/fragmentada, como profissionais com uma formação específica atuando em espaços, e executando suas funções, sem nos darmos conta do contexto, encerramo-nos num mundo próprio e fechamos-nos para o mundo. A grande diferença, entretanto, é que todos os atos gerados a partir dessa visão fragmentada têm conseqüências na realidade maior. Conseqüências que poderão afetar a vida de todo o planeta e das futuras gerações.
O desafio exige uma grande abertura de nossa parte. Uma abertura que só é possível quando se abre mão dos arcabouços atuais de pensamento, das premissas, das teorias, da forma de ver a própria realidade, e há a disposição de considerar uma outra forma de entender o mundo e a própria vida. O desafio maior está na forma de pensar.
Nesse sentido, a perspectiva da educação ambiental é de extrema relevância, visto que compreende uma proposta de formação da cidadania, ou seja, de formação de um sujeito que tem noção de seus valores, de seus limites, de respeito aos outros, de compromisso com o mundo e com a preservação do planeta, construindo uma relação de interdependência entre os seres humanos e a natureza, possibilitando que esses seres estabeleçam olhares diferentes para o meio que os cerca, de inter-relação, de articulação com o todo.
Nessa direção, para compreender a abordagem dos resíduos sólidos de serviços de saúde, é preciso compreender o conjunto de relações implicadas, desde o compromisso social, a ética e a responsabilidade presentes no exercício da profissão, como propriamente as ações que constituem o fazer na profissão, o manejo adequado dos resíduos nos locais de atuação, e as conseqüências dessas ações tanto para o próprio ambiente de trabalho, como para o meio ambiente e para a sociedade como um todo.
Autora: Luciara Bilhalva Corrêa – Economista Doméstica. Mestre em Educação Ambiental. Doutoranda em Educação Ambiental pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande/FURG
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