O paradoxal século XX produziu de um lado grandes avanços nas áreas do conhecimento técnico-científico, mas avançamos muito pouco no conhecimento do próprio homem.
Sabemos a distância exata de cada planeta ao Sol, mas ignoramos o tamanho da insensatez humana.
Buscamos com investimentos incalculáveis um contato extra-terrestre, mas não sabemos nos relacionar, respeitar, compreender nossos entes mais próximos.
Investigamos o que há de mais profundo num cometa e continuamos vivendo na superfície de nós mesmos.
Sonhamos habitar outros planetas, mas não sabemos cuidar do nosso.
Nos dizeres de Capra (1982, p. 39);
podemos controlar os pousos suaves de espaçonaves em planetas distantes, mas somos incapazes de controlar a fumaça poluente expelida por nossos automóveis e nossas fábricas. Propomos a instalação de comunidades utópicas em gigantescas colônias espaciais, mas não podemos administrar nossas cidades.
A constatação desses desequilíbrios marca o século XX ainda de outra forma: pela queda de paradigmas.
A ciência moderna foi caracterizada por um cunho generalizante, mecanicista e analítico. Tal perspectiva, contudo, não foi capaz de compreender a singularidade dos problemas humanos, a interdependência dos fenômenos e de reconhecer o global no local.
A fragmentação do todo para estudo de suas partes, presente em todas as ciências, gerou uma hiperespecialização incapaz de compreender os vínculos entre nossas ações.
Somado a isso, a postura de domínio que o homem exerceu sobre o ambiente com o respaldo da máxima cartesiana tornar o homem, senhor e possuidor da natureza, levou-nos hoje ao limite dos recursos que o planeta pode oferecer.
Tendo como justificativa o alcance do progresso e do desenvolvimento, mergulhamos em uma crise de valores, em uma crise social, crise ecológica, mas principalmente uma crise na forma como nos relacionamos com o outro e com o mundo.
O desenvolvimento tornou-se um mito, e era preciso sacrificar tudo por ele.
Porém, o progresso ascensional, promissor e certo, que era impulsionado pelo desenvolvimento da ciência, da técnica e da razão esbarra em uma ambivalência cada vez mais radical: o domínio da energia nuclear, por exemplo, resulta não apenas no progresso humano, mas também no aniquilamento humano (MORIN, 1995).
A supremacia da razão perante outras formas de conhecimento se mostrou ineficiente para a solução de nossos problemas.
Apesar da velocidade das informações e de nossa aparente intercomunicação planetária, compreendemos cada vez menos nossas diferenças, aumentamos nossos abismos socioeconômicos e vivemos em uma incompreensão entre raças, culturas, etnias, nações.
A emergência do paradigma sistêmico, que concebe o mundo em termos de relação, integração e interdependência visa superar o antigo paradigma mecanicista que atrofiou nosso modo de entender o mundo.
Na história ocidental houve o domínio de um paradigma de simplificação. O paradigma da complexidade surgirá do conjunto de novas reflexões que vão conciliar-se e juntar-se (MORIN, p.93 in: Introdução ao Pensamento Complexo).
Observamos assim, uma inquietação representada por iniciativas que movimentaram, movimentam e promovem mudanças e questionamentos no cenário global.
Em 1949, o engenheiro florestal Aldo Leopold afirmava na sua obra A Sand County Almanac, que deveríamos desenvolver uma Ética da Terra. Em 1957 Albert Schweitzer recebeu o Prêmio Nobel da Paz por popularizar a Ética ambiental.
Em 1968 nasce o Clube de Roma, congregando cientistas, economistas e altos funcionários governamentais, com a finalidade de refletir e analisar os problemas chave da humanidade. Essa organização busca formular propostas de soluções para problemas políticos, sociais, econômicos, tecnológicos, ambientais, psicológicos e culturais.
Uma de suas principais publicações é o relatório Limites do Crescimento, em 1972. Nesse documento, foi apresentado um estudo sobre a exploração dos recursos naturais, a produção de alimentos, o crescimento populacional e níveis de poluição, que alertava para a tendência futura de esgotamento das ofertas do planeta.
Apontou também a urgência de mudanças necessárias em nosso estilo de vida, que, se organizadas a tempo, deveriam dar início a uma nova forma de se relacionar com a natureza.
De acordo com Morin (1995, p.48);
nossa educação ensinou a separar, compartimentar, isolar, e não a ligar os conhecimentos e, portanto nos faz conceber nossa humanidade de forma insular, fora do cosmos que nos cerca e da matéria física com que somos constituídos (…) Ainda não somos instigados a refletir sobre nosso destino físico e terrestre.
Uma educação ambiental surge então como alternativa à revisão das posturas que adquirimos perante nós mesmos, perante os outros e o meio ambiente.
A educação ambiental tem como objeto de estudo as relações sociais e, transformá-las é seu objetivo (CARTEA, 2005).
A educação ambiental deve enfrentar esse desafio de transformar as relações sociais, a partir de uma prática interdisciplinar que permita examinar as principais questões ambientais, do ponto de vista local, regional, nacional e internacional.
Precisa encarar o desafio da realidade a partir de sua complexidade, promovendo a inteligência geral apta a referir-se ao complexo, ao contexto, de modo multidimensional e dentro da concepção global (MORIN, 2004, p. 39).
Deve insistir no valor e na necessidade da cooperação local, nacional e internacional para prevenir e resolver os problemas ambientais.
A educação ambiental deve promover a revolução copernicana da relação estabelecida com a Terra. Precisamos passar de possuidores da Terra para pertencentes a Ela.
Morin (2004) defende que a educação do futuro deve ensinar a ética da compreensão planetária. Precisamos ir além, por exemplo, da naturalidade carioca, da nacionalidade brasileira, da continentalidade latino-americana, e alcançar uma mundialidade terrena.
Isso é o que o autor chama de cidadania terrestre. Segundo ele, a associação planetária é a exigência racional mínima para um mundo estreitado e interdependente. Quando tomarmos consciência de que pertencemos a Terra e de que possuímos todos o mesmo destino planetário, seremos capazes de realizar transformações na forma como nos relacionamos com o outro e com o mundo.
Trata-se de criar as condições em que a humanidade se realizaria enquanto tal numa sociedade/ comunidade das nações. Essa nova etapa só poderá ser alcançada revolucionando em toda parte as relações entre humanos, desde as relações consigo mesmo, com o outro e com os próximos, até as relações entre nações e Estados e as relações entre os homens e a tecnoburocracia, entre os homens e a sociedade, entre os homens e o conhecimento e entre os homens e a natureza (p. 106).
A ausência de cuidado do homem com a Terra pode ser reflexo da ausência de cuidado consigo mesmo. O homem, imerso na cultura do consumo, perdeu contato com sua realidade interna, que seria a ponte de ligação com a natureza comum a todos os homens e impulso promotor de sua sensibilidade e pertencimento ao cosmos.
Somos filhos do cosmo, mas, até em conseqüência de nossa humanidade, nossa cultura, nosso espírito, nossa consciência, tornamo-nos estranhos a esse cosmo do qual continuamos secretamente íntimos (MORIN, 2005).
Somos, segundo Jonas (In: FERRARI, 2005), seres naturalmente altruístas, e precisamos resgatar, recuperar essa relação com o outro para garantir a sobrevivência da humanidade na Terra.
A educação ambiental pode ser assim, um trabalho de despertar inquietudes, de construir com os outros os elementos que nos permitam questionar e refletir sobre nossa própria existência.
Dentro de um paradigma sistêmico, conhecer o humano é integrá-lo ao Universo, é tecê-lo junto ao ambiente. Ao perguntarmos quem somos? estamos simultaneamente indagando-nos de onde viemos, onde estamos e para onde vamos?
O afastamento do homem de si mesmo não permitiu que ele desenvolvesse suas potencialidades psíquicas, espirituais, éticas, culturais e sociais. Esse é para Morin o verdadeiro desenvolvimento- é o nosso processo de hominização.
Estamos, segundo ele, vivendo ainda na pré-história do espírito humano. Precisamos tomar consciência de nossas raízes terrestres, de nosso destino planetário e realizar nossa humanidade.
De onde viemos talvez ainda permaneça sem resposta no espírito humano por longos períodos de nossa história. Mas a situação atual já apresenta dados suficientes para orientar onde estamos, restando, portanto, decidir a partir de agora para onde vamos.
Autora:Fernanda Omelczuk Walter
Bibliografia
Algumas Recomendações da Conferência Intergovemamental sobre Educação Ambiental aos Países Membros (Tbilisi, CEI, de 14 a 26 de outubro de 1977). Disponível em: http://www.mec.gov.br/se/
educacaoambiental/tbilis02.shtm . Acessado em maio 2005.
CAPRA, Fritjof. O Ponto de mutação. São Paulo: Ed. Cultrix,1982.
CARTEA, P. Educación ambiental em tiempos de catástrofe: la respuesta educativa al naufrágio del Prestige. Revista Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n 2, maio/ago. 2005.
JONAS, Hans. El principio de responsabilidad: Ensayo de una ética para la civilización tecnológica. In: FERRARI, A. Educação ambiental e ética: construindo sociedades sustentáveis. CEADMAZ.2006.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
_________Ciência com consciência. 3ºed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. Original publicado em 1982.
_________.Introdução ao pensamento Complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 1991.
_________ Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Ed. Cortez, 2000.
__________& KERN, A. B. Terra-Pátria. Porto Alegre: Editora Sulina, 1995.
The Club of Rome. Disponível em http://www.clubofrome.org/. Acessado em maio 2006.