Apesar do Brasil ser destaque mundial no potencial de água doce, com cerca de 14% das reservas do Planeta, esta quantidade não oferece as condições de qualidade necessárias ou exigidas pelo consumo humano.
O desperdício, a falta de cuidado com as nascentes, a poluição, o desmatamento e o mau uso, interferem na garantia do direito à água como bem vital. A desigualdade no processo de distribuição começa com a falta de racionalidade no uso, seja doméstico ou industrial, e tem visibilidade máxima de carência da zona rural, onde em regiões do semi-árido nordestino, por exemplo, pode-se constatar a importância de cada gota e copo de água necessários à vida.
Os 6 bilhões de habitantes do Planeta Terra que dependem da água para garantir a vida, parecem ainda não ter se dado conta da importância do uso racional deste precioso e escasso liquido. A diferença entre oferta e consumo é desproporcional, desequilibrada, desigual. Enquanto o consume médio per capita do europeu é de 140 litros /dia e do americano de 250 litros /dia, em algumas regiões do Brasil chega a ser 250 litros por semana, quando há oferta.
As bacias hídricas da América do Sul dependem do curso do degelo das calotas polares, das chuvas e das condições climáticas do Planeta. O desmatamento, a degradação das matas ciliares, a intensificação do processo de erosão, as estiagens prolongadas, a poluição, entre outros fatores impedem a retenção das águas nos lençóis freáticos e causam a morte de nascentes que alimentam pequenos e grandes rios de Bacias como a do Prata. O trabalho de recuperação e preservação dessas nascentes deveria ser prioridade do governo, através de parcerias com os proprietários de terras onde existe esse potencial hídrico.
Cidades importantes do Brasil, com Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, buscam novas fontes de água a distâncias muito grandes, de até 100 kms e isto encarece o custo de captação. Estas cidades têm potenciais hídricos riquíssimos e históricos com o Tietê, em São Paulo. A falta de cuidado, a poluição e a degradação dos mananciais inviabilizam o seu uso. Se esta lógica irracional tiver continuidade estaremos buscando a água cada vez mais longe, a custo cada vez maior, e estaremos comprometendo recursos hídricos que deveriam servir a uma população, em detrimento de outra. O custo de energia para a transposição de água é muito alto. Num país onde o potencial hídrico, eólico e solar é imenso, é irracional e desumano capitalizar infra-estruturas complexas como o de levar água de um lugar para o outro.
São inúmeras as dificuldades que os pequenos agricultores encontram para irrigar suas terras. Embora tenha água no subsolo é difícil e cara a captação. Na zona rural do Nordeste baiano, por exemplo, onde há longos períodos de estiagem, o povo sabe o valor da água doce e aprenderam a fazer o uso da água, de forma racional, sábia, como todos deveriam fazer. Na Lagoa do Urubu, em Tanquinho, região de Irecê, Bahia, por exemplo, basta ver uma esperança de chuva no ar- vento forte, com nuvens escuras, relâmpagos e trovões, são bons sinais – para dona Raimunda correr e colocar os tonéis em baixo das calhas dos telhados. Esta água doce, da chuva, é considerada nobre, e só usa para beber e cozinhar, enquanto que a água que cai da torneira, salgada, fruto da captação feita por bombas elétricas a custos altíssimos, é usada para outros fins. Dina Raimunda toma banho com uma bacia em baixo do chuveiro para que esta água do banho, mesmo com sabão, de preferência neutro, seja utilizada para a molhação das plantas. Na pia de lavar prato de dona Raimunda, o neto está instalando um cano que vai direto para os pés de algodão, babosa, mamão…
Isso acontece porque tem agricultor na região que já furou tanto a terra pra irrigar os tomatões cultivados com agrotóxicos, que as roças mais parecem queijo suíços de tanto buraco que tem. Como demora chover e quando chove é pouco a água fica escassa e este agricultor, criminoso, com certeza irá procurar outro canto para espalhar seus venenos. Tem gente, como os filhos e netos de dona Raimunda, que luta contra isso e sonha em instalar um catavento, uma placa de energia solar, uma cisterna, e outros meios alternativos para dar continuidade aos seus projetos de agricultura familiar.
Enquanto isso não acontece dona Raimunda briga com cada um que desperdiça a água que ela tanto sabe dar valor. A família de dona Raimunda não tem um porto seguro para guardar as águas que vem das chuvas e eles, cada um deles, alimenta no coração e na alma, a esperança de que São Pedro não os abandone a cada nova safra. É triste ver as plantações de milho da família de dona Raimunda ser comida pelo gado, como ração, porque os pés não vingaram, as espigas não cresceram, ou foram comidas pelas lagartas, por falta de chuva, de terra molhada. Mas a grande esperança em São Pedro é alimentada a cada nova mexida na terra, a cada pegada de enxada pra revolver as raízes e aproveitá-las como adubo para um novo plantio.
Autoria: Liliana Peixinho – Jornalista ambiental, Fundadora do Movimento Independente AMA – Amigos do Meio Ambiente. Coordenadora da REBIA–Nordeste, Autora do Livro Virtual “Por um Brasil Limpo”