Energia nuclear é sustentável?

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Muito se tem falado sobre energia nuclear nos últimos meses já que o governo brasileiro retomou o projeto de construção da Usina Nuclear Angra 3. O argumento utilizado por seus defensores é que o Brasil precisa de energia e que a energia nuclear é limpa e sustentável já que não produz gases de efeito estufa, não necessita de grande área e produz baixos impactos ambientais.

O Programa Nuclear Brasileiro (PNB) nasceu após a 2ª Guerra Mundial com o propósito de se adquirir conhecimentos da tecnologia nuclear. A construção das usinas Angra 1 e Angra 2 foi marcada por atrasos, orçamentos estourados e falta de transparência governamental. A construção da usina Angra I se iniciou em 1972, em plena ditadura militar. Em 1976, começou a construção de Angra II, que só entrou em funcionamento no ano 2000 e depois de gastos aproximados de US$ 12 bilhões!
Já a construção de Angra III jamais saiu do papel, apesar de seus equipamentos terem sido adquiridos ainda na década de 1970 e se encontram armazenados desde esta data, com o risco de estarem com funcionamento comprometido.energia nuclear

Do ponto de vista econômico, é um absurdo um país como o Brasil com tantas desigualdades sociais necessitando de solução, orçar R$ 7 bilhões na construção de uma usina nuclear que gerará energia a um custo muito mais alto que a proveniente de usinas hidrelétricas. Este valor aumenta quando se incluem o gerenciamento dos rejeitos radioativos e o descomissionamento da usina. O governo brasileiro informou que o megawatt-hora (MWh) produzido por Angra 3 deverá custar R$ 170, quase 2,5 vezes mais que o valor licitado recentemente para a Usina Hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira (RO). Das 438 usinas nucleares em funcionamento no mundo, 59 estão na França e 53 no Japão, países que optaram pela energia nuclear pois não possuem alternativas energéticas. Mas o Brasil não necessita da energia nuclear pois possui alternativas energéticas renováveis como a biomassa proveniente do bagaço da cana e a eólica nos estados da região nordeste, por exemplo.

Os altos custos de construção,manutenção, seguro contra acidentes e descomissionamento das usinas tornam a energia nuclear no Brasil cara e pouco viável.
OBS: descomissionamento é nome que se dá ao término das operações da usina após sua vida útil, calculada em torno de 40 anos.

E do ponto de vista de impactos ambientais?
É claro que a probabilidade de um acidente nuclear é pequena, mas existe e assusta a população, que tem em mente os acidentes de Three Mile Island, nos Estados Unidos e de Chernobil, na Rússia.

Mas quais são os impactos de todo o processo de produção da energia nuclear?

No ciclo do combustível nuclear, a primeira etapa necessária é a obtenção do minério de urânio. Mineração de urânio não é um processo limpo, pois causa grandes impactos ambientais, como grandes deslocamentos de terra e o risco de poluição das águas. Além disso, apesar do Brasil possuir grandes jazidas de urânio, este mineral não é uma matriz renovável. De acordo com as Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), o Brasil é o 12º maior produtor de urânio (400 ton/ano) e possui a 6ª maior reserva de urânio do mundo. Atualmente, o minério de urânio é retirado em lavra a céu aberto do Distrito Uranífero de Lagoa Real, em Caetité, na Bahia.

Na segunda etapa, o urânio é extraído do minério e concentrado em um sal conhecido como yellowcake (U3O8). O Brasil, produz hoje cerca de 400 ton anuais de yellowcake. Segue-se o processo de gaseificação que é a transformação do yellowcake em hexacloreto de urânio (UF6). Esta etapa é necessária para que o urânio possa ser enriquecido, isto é, aumentar a concentração do isótopo de urânio radioativo (235U). Atualmente, a gaseificação é realizada no Canadá e o enriquecimento de urânio é feito na Europa, apesar da técnica já ser dominada pela marinha brasileira. Nesta etapa, teremos grandes deslocamentos terrestres e marítimos do material de Caetité até o Canadá, do Canadá até a Europa e da Europa de volta ao Brasil, já para a INB, no município de Resende (RJ). Levando-se em consideração que este transporte é realizado por via terrestre ou marítima e que os meios de transporte utilizam combustíveis fósseis, haverá emissões de gases de efeito estufa. A possibilidade de um acidente durante o transporte com conseqüências ambientais é quase zero já que o transporte de materiais radioativos é baseado na filosofia da segurança da embalagem (a embalagem é apropriada para o material e a quantidade radioativa, sendo testada e aprovada por instituições renomadas).

A próxima etapa do ciclo do combustível é a reconversão (transformação do hexafluoreto de urânio em pó de óxido de urânio), com tecnologia desenvolvida pelo Centro Tecnológico da Marinha, e é realizada na Fábrica de Combustível Nuclear da INB, em Resende (RJ). Apesar de se tratar de um processo químico complexo que requer pessoal altamente especializado e treinado, há o risco de contaminação das pessoas e do meio ambiente por substâncias tóxicas.

Com o pó de óxido de urânio, pode-se iniciar a fabricação das pastilhas de óxido de urânio, que farão parte do elemento combustível. Neste processo, as pastilhas vão para fornos de altas temperaturas para adquirirem resistência. Fornos de alta temperatura gastam energia. As pastilhas sinterizadas são acondicionadas em caixas e armazenadas em um depósito dentro da própria fábrica. Os equipamentos são mantidos sob ventilação com exaustão controlada para manter a boa qualidade do ar no interior da fábrica. Novamente, há o risco de contaminação por substâncias tóxicas.

As pastilhas formarão o chamado elemento combustível, que é formado por 235 varetas de zircaloy (liga de zircônio), que são soldadas em atmosfera de gás inerte em tubos-guias.
Levando-se em consideração os custos do ciclo do combustível nuclear, a mineração do urânio corresponde a 22 %, a conversão do UF6 a 5 %, o enriquecimento a 47% e a fabricação do elemento combustível a 26%.

O combustível utilizado na usina nuclear pode gerar eletricidade por três a cinco anos. Após este período, ele precisa ser substituído. O combustível queimado contém ainda 96% do urânio original e 1% de plutônio e pode ser enviado para armazenamento temporário. No Brasil, não há local para a disposição final dos rejeitos radioativos. O material de alto teor radioativo é colocado na piscina dos reatores nas próprias usinas. Já os resíduos de baixo e médio teor, como as ferramentas e luvas dos operários, são armazenados em depósitos provisórios dentro do complexo nuclear.

Levando-se em consideração todos os aspectos citados, ficam as perguntas:
Será que seria ético deixarmos para as gerações futuras um tremendo passivo ambiental que são os rejeitos armazenados nas usinas para que elas resolvam o problema que nós criamos e não soubemos administrar?

Será que o Programa Nuclear Brasileiro é sustentável, pensando que sustentabilidade está relacionada com a redução das desigualdades sociais e não deve favorecer somente alguns em detrimento da maioria?

Será que o fato da sociedade civil não ter sido consultada quanto ao Programa Nuclear Brasileiro torna-o legítimo e democrático?
Do meu ponto de vista, a resposta para as 3 questões é um sonoro NÃO.

                                                                                                                                    Autora: Denise Bemelmans

Bibliografia:

Elefante Branco: os verdadeiros custos da energia nuclear – Greenpeace, disponível em http://www.greenpeace.org/raw/content/brasil/documentos/nuclear/elefante-branco-o-verdadeiro.pdf (acesso em 13/09/2008).
Indústrias Nucleares do Brasil – INB: http//www.inb.gov.br
International Atomic Energy Agency – IAEA: http//www.iaea.org

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