Na manhã da quarta-feira (29), a OAB do Rio de Janeiro reuniu uma série de especialistas ligados à conservação, tanto de tubarões quanto de áreas protegidas, e profissionais da área do turismo, para discutir a criação do Santuário de Tubarão em Fernando de Noronha. O objetivo do encontro, que ocupou parte da manhã, foi apresentar como seria essa proteção e quais os ganhos que a ilha teria para a proteção de suas espécies ameaçadas e para o turismo.
“Fernando de Noronha é a última chance do Brasil entrar no roteiro de mergulho internacional com tubarões”, afirma José Truda Palazzo Jr, da Divers for Sharks, ONG que encabeça a campanha pela criação do Santuário. Segundo Truda, a situação dos tubarões no arquipélago é reflexo do caos da pesca no mar brasileiro, onde, “mesmo num parque nacional, várias das espécies que eram vistas de maneira muito mais regular pelo mergulho hoje, por depoimento de profissionais da indústria do mergulho recreativo que ali ocorrem regularmente, já não são vistas com a mesma regularidade, perdendo valor econômico”, afirmou.
Na sua fala, o ambientalista também relembrou que desde 2011 o Brasil não registra dados de pesca e, portanto, não há controle de venda de tubarão em forma de cação nos supermercados.
Ainda segundo Truda, a proposta do Santuário é transformar Noronha num “polo irradiador de conservação e educação para proteção dessas espécies”.
Atualmente, em Noronha, existem pelo menos 6 estabelecimentos comerciais que servem bolinho de tubarão, “o tubalhau”, para os turistas. A iguaria não é exatamente uma novidade: há pelo menos duas décadas ele é comercializado. O local mais famoso que vende o bolinho é o Museu do Tubarão, um espaço onde o turista aprende sobre a conservação do animal e da sua importância para o equilíbrio da cadeia alimentar e, no final, é oferecido um lanche onde a espécie faz parte dos ingredientes.
A contradição, criticada por todos os ocupantes da mesa, virou polêmica após a instrutora de mergulho Adriana Castro relatar em ((o))eco vários problemas que ela presenciou na ilha, entre eles, a visível diminuição da fauna marinha. A coluna foi publicada em dezembro e de lá para cá, várias reuniões foram feitas para tratar da preservação da espécie na ilha. A ideia do santuário, já antiga, ressuscitou.
Segundo Milton Luna, conselheiro distrital de Fernando de Noronha e único representante da comunidade de Noronha na mesa, atualmente na ilha existem cerca de 600 estabelecimentos comerciais. Ele alega que apenas o Museu vende a iguaria, mas outros ocupantes da mesa registram de 5 a 6 estabelecimentos onde se vende o bolinho
“A ilha é totalmente a favor do tubarão, quem mais preserva a ilha é a sua comunidade”. discursou Milton Luna. O conselheiro convidou Reynaldo Velloso, presidente da Comissão de Proteção e Defesa dos Animais da OAB-RJ, que presidiu a mesa, a fazer uma audiência pública em Noronha para discutir a criação do santuário.
Para Paulo Cavalcanti, o Pinguim, da Divers for Sharks, se os cinco ou seis estabelecimentos simplesmente mudarem um ingrediente da sua lista de produtos, não haveria mais polêmica. “É no mínimo um contrassenso você matar, servir e comercializar num bolinho aquilo que você está defendendo e preservando. É antiético, é imoral, e um grande resumo disso é que estamos falando, no final das contas, de um ingrediente, nós não estamos falando de uma atividade de base comercial de sustento de vida de ninguém da ilha. Se amanhã ou depois falsificassem a carne de tubalhau por papelão desfiado, como está na moda, ninguém notaria a diferença. Ninguém ia falir”, argumenta.
Por que comê-los?
Mote da campanha da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação contra a venda de bolinho de tubarão, o slogan “se você não vai em tal lugar para comer a espécie ameaçada/endêmica x, porque então vai em Noronha comer bolinho de tubarão”, permeou a fala dos palestrantes.
“Quando a gente fala de conservação da natureza, no ambiente marinho, o primeiro parque que vem à nossa cabeça é Fernando de Noronha (…) É a oportunidade de fazer diferente, é a oportunidade de alavancar o turismo, de alavancar visitação, respeito à biodiversidade. Porque eu não vou para o Pantanal comer carne de onça, eu não vou para o Cerrado para comer lobo-guará. Por que que em Noronha as pessoas vão para comer bolinho de tubarão? Porque ele é oferecido”, argumenta Angela Kuczach, diretora da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação. “O bolinho de tubarão não é só um bolinho de tubarão, ele é um desserviço ao conceito de parques nacionais, ele é um desserviço a tudo que se faz em relação à conservação da natureza, ele é um desserviço a todo e qualquer esforço que a gente tem hoje para conservar melhor a natureza e os nossos ambientes marinhos”, diz.
Turismo de mergulho
Conhecida pelos seus atributos naturais, Noronha é uma espécie de “Unidade de Conservação bandeira” para o mergulho contemplativo com tubarões. Nem em Abrolhos, outro parque marinho famoso, consegue ser tão atrativo para o mergulhadores atrás da experiência de nadar com os bichanos.
“Existem poucos locais no planeta Terra onde se pode mergulhar com tubarões em condições naturais, sem o uso de iscas e isso está sendo cada vez mais valorizado, vide o exemplo das ilhas galápagos”, explica Lawrence Wahba, documentarista de natureza e um grande conhecedor da ilha.
Eduardo Teixeira, da TDI SDI Brasil, representante de empresas de mergulho, relatou que, como profissionais, os mergulhadores e instrutores de mergulho são os primeiros a perceber o declínio da vida marinha, como já havia relatado a mergulhadora Drica Castro em sua coluna.
“Quando a gente mergulhava em Noronha uns anos atrás, a gente via tubarões com uma certa frequência, a gente vê isso diminuindo em todos os lugares, no mundo e em Noronha. Então, pra gente é muito importante, porque a gente acredita realmente no mercado, o nosso mercado é um mercado de turismo ecológico, turismo de ver espécies marinhas, e pra nós, comercialmente, é importantíssimo que os tubarões estejam lá e que gente possa filmá-los e fotografá-los e não comê-los”, afirma.
Para Marcelo Skaf, ex-chefe do Parque Nacional Marinho de Abrolhos e consultor de uso público de áreas protegidas, falta ao Brasil uma escala que faça com que as unidades de conservação ganhem visibilidade e cumpram com a função pela qual foram criadas.
“Precisamos de exemplos. Em Noronha tem essa missão. Lá dá pra fazer, é relativamente tranquilo. É preciso o quê? Vontade e política pública. Se a gente tiver vontade e política pública, a gente consegue transformar essa realidade em curto espaço de tempo e talvez, colocar a primeira pedrinha no muro que a gente vai subir e cada um contribuir um pouquinho (…). Porque se a gente não ganhar escala, num tempo rápido, a detonação é muito forte. Eu vivi isso como chefe de parque e vivo isso como mergulhador, viajo o Brasil em unidades de conservação e a gente está perdendo a batalha”, afirma.
*Com apoio de Sabrina Rodrigues.