Efeitos dos problemas ambientais na sociedade e população

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O presente trabalho tem por objetivo abordar, de forma sucinta, as tendências na análise da população mundial em relação as questões ambientais, numa perspectiva interdisciplinar, como o próprio assunto já incita, pelas diversas facetas apresentadas pelos problemas de ordem ambiental. Primeiramente, a visão neomalthusiana será trazida à tona como instrumento pouco eficiente de análise do crescimento populacional. Em seguida, a responsabilidade quanto aos problemas ambientais será objeto de análise a partir de suas diferenças. É preciso também abordar o modelo de desenvolvimento baseado na modernização, que acarreta em desigualdades profundas na sociedade. Por fim, a participação política crescente nas questões ambientais é vislumbrado, a fim de que se verifique as pressões da sociedade organizada na regulação das decisões e atividades de ordem ambiental.

1. EFEITOS DOS PROBLEMAS AMBIENTAIS NA SOCIEDADE E POPULAÇÃO

1.1. Visão Neomalthusiana do Crescimento Populacional

A questão ambiental vem sendo discutida de maneira interdisciplinar, nos últimos anos. Assim, ao se tratar de população, não se pode deixar de trazer à tona a

problemas ambientais

Problemas Ambientais

abordagem da teoriapopulacional neomalthusiana[1], que estabelece uma relação direta entre crescimento demográfico e pressão sobre recursos naturais. Essa abordagem demográfica aponta para a urgência de um controle populacional através da formulação de políticas públicas nesse sentido. Isso porque, na visão desses teóricos, o tamanho e crescimento populacional são fatores determinantes para o equilíbrio ambiental.

A teoria neomalthusiana, no entanto, apresenta algumas limitações quando o assunto é meio ambiente, pois demonstra ter uma visão muito simplista, envolvendo poucas variáveis quando toca o problema dos efeitos do crescimento e desenvolvimento econômico sobre o meio ambiente. Os padrões de produção e consumo no qual a teoria neomalthusiana se funda, não são por ela discutidos apesar de serem demasiado agressivos ao meio ambiente, haja vista a poluição e a devastação causadas. Apenas a perspectiva demográfica é considerada, ou seja, o ponto de partida para se analisar os problemas econômicos, sociais e ambientais é o crescimento descontrolado populacional. Assim, a proposta de solucionar os problemas ambientais se reduziria, simplesmente, a um controle do crescimento populacional dos países pobres, melhor dizendo, a redução dessas populações.

A questão ambiental, contudo, é mais complexa e interdisciplinar que a mera visão demográfica da corrente neomalthusiana. A perspectiva populacional em consonância com os problemas ambientais é tratado por Martine (1993a) que propõe uma análise diferente da acima exposta. Segundo ela, as quedas de fecundidade já são consideráveis na população mundial, salvo algumas exceções. Entretanto, o fator inercial da dinâmica geográfica não permite que os reflexos sejam percebidos de imediato no ritmo de crescimento populacional. As percepções se darão em longo prazo, pois a estrutura populacional está definida no curto prazo, a menos que fatores externos de grande proporção alterem essas previsões como grandes guerras, pandemias ou catástrofes naturais de escala global.

O fator desenvolvimento ainda está presente na análise da população mundial de Martine (1993a), pois a explicação para a redução dos níveis de fecundidade está na modernização e desenvolvimento dos países que já obtiveram sucesso nesses índices. Porém, destaca-se a importância do desenvolvimento para a redução acelerada e expressiva do crescimento populacional, e não do controle populacional. Assim, o cerne da relação entre meio ambiente e população está na adoção de modelos de desenvolvimento e teconologia que se adeqüem a problemas ambientais como escassez de recursos, poluição, mudanças climáticas, ocupações do solo, dentre outros.

1.2. Diferentes graus de responsabilidades frente aos problemas ambientais

O binômio “crescimento populacional” e “pressão sobre recursos” é constantemente ressaltado na discussão sobre os problemas ambientais em relação à população. Com o novo quadro que se apresenta mundialmente, de diminuição das taxas de crescimento populacional, o debate tem envolvido uma nova questão: a concentração populacional em dadas regiões, pode levar a problemas de sustentabilidade nesses locais. Para reforçar essa afirmação, tem-se Martine (1993) que apresenta a idéia de que a preocupação populacional brasileira, está em relação aos espaços urbanos já ocupados e construídos. A relação entre população, meio ambiente e desenvolvimento no Brasil deve atentar-se principalmente para esse nicho urbano, e não especialmente para os espaços naturais ou intocados, como se pode presumir. A contribuição brasileira para os problemas ambientais, estaria então, nas suas áreas de adensamento demográfico, no seu espaço urbano.

Os problemas ambientais podem ser diferenciados em dois tipos, interligados porém distintos.: os problemas ambientais globais e os problemas ambientais regionais ou locais. Os primeiros, para Martine (1993) seriam a perda de biodiversidade, o efeito estufa, os danos à camada de ozônio, dentre outros que repercutem no mundo como um todo. Os problemas regionais estariam fortemente ligados ao desenvolvimento e à pobreza de alguns países, pois seriam exemplificados pela falta de saneamento básico, condições inapropriadas de habitação, etc. Os problemas regionais ainda estariam vinculados ao esgotamento de alguns recursos naturais como água, solo, fontes de combustíveis, etc. Assim, seria possível dizer que a responsabilidade dos países frente a esses problemas varia de acordo com as condições econômicas de cada país.

Apesar de não poder ser delimitada de forma rígida o grau de responsabilidade dos países em relação a determinados problemas, pois o critério para essa análises levaria a polêmicas discussões interdisciplinares, a grosso modo, pode-se dizer que os países industrializados, devido ao modelo de produção e consumo adotados ao longo da história, teriam maior peso nos problemas ambientais globais. Os países menos industrializados teriam um peso maior sobre problemas ambientais como desertificação, desmatamento, dentre outros que envolvem um modelo de produção e consumo mais tardios que dos países em desenvolvimento.

O discurso neomalthusiano seria mais interessante para os países industrializados ou desenvolvidos, pois envolveria uma carga maior de responsabilidade nos problemas ambientais para os países em desenvolvimento, pois são eles que apresentam problemas de crescimento demográfico. Esse discurso “lhes evita ter que fazer um exame crítico da civilização industrial ou da sua responsabilidade na degradação ambiental global”. (MARTINE, 1993, p.10). A responsabilidade desses países em desenvolvimento frente aos problemas ambientais está ligada ao crescimento demográfico e à pobreza, porém não resumem a única explicação para os demais problemas eu não sejam desmatamento, escassez de recursos com água, enchentes e desertificação.

Apesar de o crescimento populacional ser um fator importante na análise dos problemas ambientais, não se pode descartar a relevância dos padrões de produção e consumo que caracterizam os séculos XIX, XX e por enquanto, também o XXI. A projeção de futuro, todavia, deve tomar novos padrões, como vê-se:

a trajetória futura da problemática ambiental mundial dependerá basicamente da evolução de dois fatores: a) do grau de incorporação de países atualmente subdesenvolvidos aos padrões de produção e consumo que prevalecem nas sociedades industrializadas; b) do ritmo de desenvolvimento e adoção de tecnologias que permitam padrões de produção e consumo mais condizentes com o bem-estar ambiental, tanto nos países atualmente desenvolvidos, como naqueles que deverão se desenvolver durante o intervalo. (MARTINE, 1993, p.25)

1.3. Modernização: um modelo predatório e desigual

A modernização defendida pelo sistema capitalista é alvo de críticas dos ambientalistas, desde o começo dos debates ambientalistas na década de 60. Entende-se por modernização, a expansão de capital através de crescimento econômico e implantação de indústrias sem a recente noção de “sustentabilidade”, ou seja, sem que haja uma preocupação voltada para o desenvolvimento de técnicas que não agridam o meio ambiente e a sociedade de forma irreversível. A modernização sem sustentabilidade, implica na exploração dos recursos naturais até seu esgotamento, o que pode acarretar em um agravamento das diferenças sociais.

A título de exemplo, toma-se os setores produtivos de bens intermediários no Brasil, como propõe Torres (1993). Especificamente a exploração de minerais não metálicos, a metalurgia, a industria de papel e celulose e química, apresentaram estruturas produtivas de maior crescimento nos últimos 10 anos, e conseqüentemente, maiores índices de poluição e demanda de recursos naturais. Essas industrias ainda apresentam o perfil de se instalarem em grandes centros urbanos, o que gera um maior número de impactos no meio ambiente.

A análise do caso do pólo petroquímico de Camaçari, na Bahia é realizada por Franco et al (1994). Resultado de todo um processo de expansão industrial que privilegiou e incentivou a implantação de indústrias poluentes e de alto risco no país, Camaçari é um caso que permite a percepção de que modernização e desenvolvimento tecnológico não implicam, necessariamente, em melhoria de qualidade de vida. Franco et al (1994) esclarece que a conduta das atividades industriais de Camaçari até então, não abarcavam a preocupação com saúde e segurança dos trabalhadores ou impactos ambientais ocasionados por sua atividade.

Daí extrai-se a defesa do argumento de que existe uma apropriação privada dos lucros, por parte dessas empresas que não se atentaram para questões ambientais e sociais, e uma socialização dos custos, que por sua vez correspondem em um aumento dos encargos no sistema de saúde e seguridade, e ainda em investimentos para recuperação dos recursos naturais prejudicados. Os efeitos da modernização são sentidos pelos trabalhadores mais diretamente envolvidos na produção, quais sejam: a poluição, degradação ambiental e prejuízos à saúde.

1.4. Papel regulador da sociedade organizada: Participação Política

A questão ambiental mobiliza agentes sociais que foram chamados por alguns autores como “terceiro setor”, pois contam com a participação da sociedade organizada e de organizações não governamentais, como fontes de pressão sobre as decisões políticas nesse sentido. Esses elementos sociais e seus respectivos movimentos possuem um papel cada vez maior na tomada de decisão das instancias governamentais (nas esferas legislativas, executivas e judiciais), que podem auxiliar no alcance do objetivo final que é a diminuição de situações que geram degradação ambiental.

Essa dinâmica política da sociedade civil que defende o movimento ambiental pode ser percebida mais intensamente nos países industrializados, em geral, pelas próprias estruturas políticas e sociais que apresentam, de viés mais democráticos[2]. Nesses países, a opinião desses setores tem sido marcada pela criação de leis ambientais reforçadas e limites nos processos produtivos de seus respectivos países, como é o caso da Suíça e da França. Os partidos verdes já possuem uma certa tradição em países europeus, com eleitorado fiel, apesar da demanda pela questão ambiental ser relativamente recente na política mundial.

Entretanto, vê-se uma situação distinta no Brasil, como pode-se perceber pela análise de Hogan (1993) acerca da composição sócio-demográfica de Cubatão. A conclusão do autor é de que não houve mobilização da população da cidade para evitar o agravamento da situação ambiental devido, entre outros elementos, às próprias características dessa população. Hogan (1993) deixa claro seu argumento de que há uma relação direta entre a organização das camadas médias urbanas e sua sensibilidade às questões ambientais. Embora não se possa negar que as camadas de renda mais elevada possuem maior capacidade de organização e, em virtude disso, maior pressão sobre as decisões políticas. Isso já não é tão simples para as camadas médias, que apesar de seu potencial de organização para reivindicação, não garante que, hajam organização e mobilização política efetivas.

Na obra de Franco et all (1994), tem-se uma visão que defende a organização democrática como forma de regular os efeitos negativos sobre o meio ambiente:

Os diferentes graus de risco deste tipo de indústria (química e petroquímica) em cada país e/ou região são determinados, essencialmente, por escolhas de práticas de gestão da produção e do trabalho, que resultam em relações de forças políticas em cada momento e lugar. Estas são expressas nas políticas públicas, nas práticas fiscalizatórias e na mobilização da sociedade civil, através das lutas travadas pelos sindicatos, organizações não governamentais e instituições públicas e privadas. (FRANCO et al., 1994, p.69)

O processo de redistribuição das indústrias pelo mundo pode ser interpretado como resultado da elaboração e implementação de leis ambientais mais rigorosas nos países industrializados. Fatores como a diminuição de custos com mão de obra e matéria prima, incentivos fiscais oferecidos pelos governos dos países em desenvolvimento e a possibilidade de uma legislação ambiental “mais flexível” têm atraído investimentos das indústrias transnacionais.

As questões ambientais têm sido negligenciadas por vários países em desenvolvimento, mesmo podendo ter repercussões no médio e longo prazo. A preferência política desses países tem sido voltada para a possibilidade de crescimento econômico (representado principalmente pela criação de empregos) oferecidas por essas indústrias transnacionais. A força dos movimentos iniciados pelos sindicatos é significativa nessa situação crítica de crise de empregos, embora esses não coloquem em pauta em suas negociações as condições de segurança dos trabalhadores.

Os discursos de defesa às questões ambientais nem sempre são acompanhados de políticas que ponham em prática tais argumentos. A saúde da população, por exemplo, não é mais importante nas decisões de instalações de industrias nesses países do que os incentivos fiscais por eles propostos. Como atenta alguns estudiosos,

bastante afinado com certos organismos internacionais imputam os problemas de meio ambiente e de saúde nos países de terceiro mundo exclusivamente à questão do crescimento da população e seus atributos de pobreza e educação. (FRANCO et al., 1995, p.135)

2. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, o esforço foi voltado para uma abordagem da questão ambiental, mais ampla e interdisciplinar, voltando os olhos para uma discussão reflexiva acerca dos efeitos dos problemas ambientais na sociedade e população mundial. A qualidade de vida da população mundial está intrinsecamente ligada às soluções a problemas que atingem a todos, como as mudanças climáticas, a poluição, o aumento dos níveis dos oceanos, as catástrofes ambientais, dentre outros. À medida que problemas regionais como o saneamento básico e fornecimento de recursos às populações como água e energia elétrica, forem solucionados em cada país, haverá uma redução dos problemas ambientais causados pela poluição generalizada. Os centros urbanos, objeto de maior preocupação no que tange aos problemas ambientais populacionais, precisam ser reestruturados a partir de um novo conceito de desenvolvimento que abandone os padrões de produção e consumo adotados até então, embora essa sentença também seja válida para as regiões menos povoadas do globo.

Autora: Laura Tavares Henrique

REFRÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARMO, R.L. (1993) O Conceito de qualidade de vida: uma primeira abordagem. IFCH/UNICAMP. Campinas.

DRUCK, G.; FRANCO, A.; BORGES, A.; FRANCO, T. (1994) “Mudanças na gestão, precarização do trabalho e riscos industriais”. Salvador, Revista Caderno CRH, UFBA, n.21, PP.68-87.

FRANCO, T. (1993) “Trabalho industrial e meio ambiente: a experiência do complexo industrial de Camaçari” In: MARTINE, G. (org.) População, meio ambiente e desenvolvimento: verdades e contradições. Campinas, Ed. da UNICAMP, pp.69-100.

FRANCO, T.; REGO, M.; PEREIRA, R.; FRANCO, A.; BORGES, A.; DRUCK, G.; (1994) “Riscos industriais: de desafio a instrumento de opressão dos povos”. Salvador, Revista Caderno CRH, UFBA, n.20, pp.127-144.

HOGAN, D.J. (1993) “População, pobreza e poluição em Cubatão” In: MARTINE, G. (org.) População, meio ambiente e desenvolvimento: verdades e contradições. Campinas, Ed. da UNICAMP.

MARTINE, G. (1993a) “A demografia na questão ecológica: falácias e dilemas reais” In: MARTINE, G. (org.) População, meio ambiente e desenvolvimento: verdades e contradições. Campinas, Ed. da UNICAMP, pp. 9-19.

MARTINE, G. (1993b) “População, meio ambiente e desenvolvimento: o cenário global e nacional” In: MARTINE, G. (org.) População, meio ambiente e desenvolvimento: verdades e contradições. Campinas, Ed. da UNICAMP, pp. 21-41.

TORRES, H.G. (1993) “Indústrias sujas e intensivas em recursos naturais: importância crescente no cenário industrial brasileiro” In: MARTINE, G. (org.) População, meio ambiente e desenvolvimento: verdades e contradições. Campinas, Ed. da UNICAMP, pp.43-67.

[1] A teoria populacional neomalthusiana corresponde a uma revisão da proposta de Malthus (1766 – 1834), economista inglês criador da corrente da demografia dentro das Ciências Econômicas. Para os neomalthusianos, há uma relação direta entre o subdesenvolvimento e o crescimento populacional, ou seja, a superpopulação era o fator determinante da pobreza dos países, pois eleva gastos com serviços públicos oferecidos pelo Estado, reduzindo os investimentos em setores produtivos. Essa idéia é baseada no pressuposto de que a superpopulação levaria a um esgotamento dos recursos naturais e, conseqüentemente, à pobreza.

[2]O termo “democrático” é aqui colocado, no sentido de estruturas políticas que permitem a livre organização social e política, e expressão das opiniões de seus cidadãos.

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