Segundo Velasco (2002, p. 37), a Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental da ONU, realizada em 1977 em Tbilisi, assinalou que
o conceito de meio ambiente abarca uma série de elementos naturais, criados pelo homem, e sociais”, e que “os elementos sociais constituem um conjunto de valores culturais, morais e individuais, assim como de relações interpessoais na esfera do trabalho e das atividades de tempo livre” […]. Assim afirmava-se claramente uma óptica não-biologicista do “meio ambiente” ao dar-se a esse conceito um perfil nitidamente socioambiental.
Observamos, então, que o meio ambiente do qual falamos deve ser considerado, em Educação Ambiental, a partir dessa perspectiva ampla, de totalidade e não fragmentado ou compartimentado. Nesse sentido,O autor também diz que a mesma abordagem presente nas recomendações de Tbilisi aparece na Lei 9.795/1999, a qual estabeleceu no Brasil a Política Nacional e Educação Ambiental. Assim, no artigo 4º., inciso II, podemos ler que o meio ambiente deve ser compreendido a partir de uma abordagem de totalidade, “[…] considerado a interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade”. (BRASIL, 1999).
[…] Na terra e até onde alcançar o efeito da ação humana, o meio ambiente é simultaneamente a condição e o resultado histórico da interação dos humanos com o restante da natureza. Tal intercâmbio dá-se de privilegiada por intermédio do “trabalho”, que é uma das atividades que diferencia os seres humanos dos demais seres vivos e que Marx definiu como “um processo entre o homem e a natureza no qual o homem realiza, regula e controla mediante sua própria ação seu intercâmbio de matérias com a natureza para se apropriar sob uma forma útil para sua própria vida a matéria da natureza”. (Velasco, 2002, p. 38).
Contudo, embora hoje seja ponto pacífico que os homens são seres que intencionalmente transformam a natureza visando satisfazer suas necessidades, nem sempre esses mesmos homens foram compreendidos como integrantes da natureza. Quando, por exemplo, analisamos a história da Educação Ambiental, de modo geral, e a história da Educação Ambiental no Brasil, especificamente, observamos que em alguns momentos houve a predominância do modelo “naturalista” na forma de explicar as relações dos homens com a natureza.
Segundo Saito (2002), na década de 1970 as experiências de Educação Ambiental evidenciam muito mais uma concepção naturalista desse processo educacional do que uma visão socioambiental.
Falando especificamente do nosso país, o autor afirma que, naquele período acima referido,
O Brasil encontrava-se sob um governo militar que restringia o debate político e as ações coletivas. A temática social não fazia parte da pauta educacional e cultural, muito menos da ambiental. Por sinal, o ambientalismo, de certa forma, representava um obstáculo à consolidação da nova “ideologia nacional”: a busca desenfreada do desenvolvimento econômico, batizada de “o milagre econômico”. Assim, durante esse período da nossa história, a educação ambiental só poderia se desenvolver sob os marcos do naturalismo, desprovido do debate político que articularia as questões ambientais às socioeconômicas. E, ainda assim, era pouco incentivado. (Saito, 2002, p. 48).
Continuando sua exposição, o autor supracitado afirma que a década de 1980 trouxe “[…] mudanças no cenário sociopolítico do País, com o início do processo de redemocratização, que introduz termos como “abertura política’ e “transição democrática” em nosso vocabulário”. (SAITO, 2002, p. 48).
Esse processo tem seu grande momento com a promulgação da nova Constituição Federal, em 1988. O debate em torno das questões ambientais avança no cenário nacional, e a nova carta magna guarda marcas desse fortalecimento, mencionando explicitamente a importância do meio ambiente para a nação. (Saito, 2002, p. 48).
Obviamente que as questões ambientais só foram contempladas na Constituição devido às observações dos resultados dos impactos que as ações humanas estavam provocando e porque grupos organizados pressionaram – como já vimos, os movimentos de ambientalistas participaram desse processo exigindo um novo olhar (e novas ações) para com a natureza e as relações entre sociedade e natureza.
Foi devido às pressões desses grupos, também, que na década de 1980 presenciamos
[…] Grandes debates em torno das estratégias para ampliar e consolidar os espaços institucionais em favor da educação ambiental: inserir ou não a educação ambiental como disciplina singular dentro do currículo escolar de ensino fundamental (na época chamado de ensino de primeiro grau).
[…]
Na década de 90, o debate sobre a disciplinarização a educação ambiental ganha um desfecho final com os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNS, que terminaram consolidando a posição do conselho federal de educação de 1987 de não constituir a educação ambiental como disciplina específica, tendo adquirido em sua formulação final o caráter de tema transversal, apresentado pelos PCNS. (Saito, 2002, p. 49).
Assim, pode-se dizer que o processo de constituição da Educação Ambiental foi acompanhando os desafios históricos resultantes das ações humanas em cada período. Nesse sentido é que concordamos que
[…] Não podemos compreender as práticas educativas como realidades autônomas, pois elas só fazem sentido a partir dos modos como se associam aos cenários sociais e históricos mais amplos constituindo-se em projetos pedagógicos políticos datados e intencionados. (Carvalho, 2001, p. 3).
A fala da autora acima indica que as práticas educacionais devem ser contextualizadas; as propostas de ação/educação ambiental devem considerar a realidade contextual ampla na qual vivemos.
Assim, a Educação Ambiental – quer se realize nos espaços formais ou não-formais – tem diante de si, hoje, a tarefa de pensar estratégias de ação frente aos desafios apresentados a seguir:
Dados do relatório sinais vitais 2003, produzido pelo Instituto Worldwatch com o apoio do PNUMA/ONU – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, revelam que “com menos de 5% da população mundial, os estados unidos consomem 26% do petróleo, 25% do carvão mineral e 27% do gás natural mundial. Os automóveis, que rodam nos eua, representam um quarto da frota mundial e emitem mais carbono do que todas as fontes – indústria, transporte, agricultura, energia – do japão, o quarto país na lista mundial de emissões”. É esse modelo de desenvolvimento que nos fez chegar ao final da década de 1990 com 20% da população mundial consumindo 86% dos recursos naturais do planeta, o que significa que 80% da população dispõem de apenas 14% para o seu consumo, que na maior parte das vezes não chega a ser suficiente para alimentar as necessidades básicas de sobrevivência. (Guimarães, 2006, p. 17).
Desse modo, uma Educação Ambiental que se pretenda crítica não pode se furtar do processo de refletir sobre esses dados, sobre esses fatos sociais e evidenciá-los aos sujeitos com os quais se trabalha com vistas à construção de uma sociedade mais justa e equilibrada ambiental e socialmente.
Essa Educação Ambiental crítica, que deseja contribuir com a transformação social e com a transformação das relações entre sociedade e natureza deve evidenciar, assim, que a sociedade, as relações entre os homens estão permeadas por relações conflituosas e que, quando se trata de conflitos socioambientais, há uma assimetria de poder político e econômico, sendo que “[…] nem sempre o grupo dominante leva em consideração os interesses de terceiros nas suas decisões”. (LAYRARGUES, 2006, p. 95). É exatamente essa questão que podemos observar na citação de Guimarães (2006) acima apresentada: será que há preocupação do grupo mais forte com as necessidades dos grupos enfraquecidos historicamente? Como pensar em transformação social, em um novo modelo de desenvolvimento e crescimento econômico diante de posições tão petrificadas, cristalizadas? Como poderá/pode a Educação Ambiental contribuir com esse processo de transformação? Como organizar estratégias de ação para a conscientização dos diversos sujeitos do processo educacional visando à construção da cidadania planetária e, ao mesmo tempo, fazer frente (contrapor-se) à cidadania global?
Essas e outras questões apropriadas devem ser levantadas por uma Educação Ambiental que se autodenomine crítica.
Segundo Carvalho (2004, p. 156-7, grifos na obra), a Educação Ambiental crítica possui a especificidade de levar os sujeitos históricos a compreenderem
[…] As relações entre sociedade e natureza e intervir nos problemas e conflitos ambientais. Nesse sentido, o projeto político-pedagógico de uma EA crítica poderia ser sintetizado na intenção de contribuir para uma mudança de valores e atitudes, formando um sujeito ecológico capaz de identificar e problematizar as questões socioambientais e agir sobre elas.
Assim, a educação Ambiental no cenário atual é chamada, como toda e qualquer prática educativa “positiva”, a contribuir com o processo de transformação social, de emancipação.
Nesse sentido, segundo Lima (apud OLIVEIRA, s/d, p. 2)
[…] A educação tanto pode assumir um papel de conservação da ordem social, reproduzindo ideologias, valores e interesses dominantes socialmente, como pode assumir um papel emancipatório, comprometido pela modificação cultural, política, e ética da sociedade e com o desenvolvimento das potencialidades dos seres humanos que a compõem.
Para o autor,
[…] Há duas grandes concepções político-culturais que fundamentam o debate da educação ambiental. Essas concepções servem de referência para identificar as diversas propostas teórico-práticas de educação ambiental. “são concepções que se afinam à tendência de educação conservadora e à tendência de educação transformadora, emancipatória”
[…] A tendência conservadora se interessa em conservar a estrutura social vigente com todas as suas características, ou seja, valores econômicos, políticos, éticos e culturais. Fortalecendo uma prática educativa funcional à lógica científica instrumental e positivista1. A tendência transformadora, emancipatória se estabelece no compromisso de transformar a ordem social e de renovar a sociedade e sua relação com o meio ambiente. (Lima apud Oliveira, s/d, p. 2-3 ).
A crítica que se faz à Educação Ambiental conservadora é que a mesma é despolitizada e descontextualizada.
Há em sua prática um enfoque fortemente ecológico que, ao priorizar uma posição de produção e transmissão de conhecimentos e valores ecologicamente corretos, reforça o dualismo sociedade-natureza existente. Peca ao não colocar o homem como sujeito responsável pela crise ambiental e sua solução. Enfim, é uma EA que está de acordo com a realidade socioambiental vigente e, por isto, é incapaz de transformá-la. (Bertolucci, Machado e Santana, 2005, p. 4).
Por outro lado, a Educação Ambiental crítica “[…] se propõe a desvelar a realidade, para, inserindo o processo educativo nela, contribuir na transformação da sociedade atual, assumindo de forma inalienável a sua dimensão política”. (GUIMARÃES apud BERTOLUCCI, MACHADO e SANTANA, 2005, p.5).
Nas palavras de Carvalho (apud BERTOLUCCI, MACHADO e SANTANA, 2005, p.5-6),
Na perspectiva de uma educação ambiental crítica, a formação incide sobre as relações indivíduo-sociedade e, neste sentido, indivíduo e coletividade só fazem sentido se pensados em relação. As pessoas se constituem em relação ao mundo em que vivem com os outros e pelo qual são responsáveis juntamente com os outros. Na educação ambiental crítica esta tomada de posição de responsabilidade pelo mundo supõe a responsabilidade consigo próprio, com os outros e com o ambiente, sem dicotomizar e/ou hierarquizar estas dimensões da ação humana.
São muitos os desafios postos à Educação Ambiental, visto que, como já dissemos, são muitos também os desafios concretos a serem enfrentados pela sociedade atual. Entretanto, é preciso trilhar o caminho capaz de “conduzir” à tão sonhada transformação social, lembrando, contudo, que o caminho não está pronto, que não existem estratégias de ação pré-definidas e inquestionáveis. Assim, é preciso, antes de tudo, compreender esse processo histórico – de desenvolvimento da sociedade e de desenvolvimento da Educação Ambiental nesse processo – e, a partir dessa compreensão, organizar procedimentos metodológicos capazes de serem tomados como instrumentos de mediação para a transformação da sociedade que ora está “posta”, mas que, por ser fruto da ação humana, pode ser radicalmente transformada visando beneficiar todos os homens.
Autora: Ivone Aparecida Dias
Bibliografia
BERTOLUCCI, Daniela, MACHADO, Júlia, SANTANA, Luiz Carlos. Educação Ambiental ou Educações Ambientais? As adjetivações da educação ambiental brasileira. 2005. Disponível em: http://www.remea.furg.br/edicoes/vol15/art04.pdf. Acesso em: 03/02/2009.
BRASIL, 2007. Lei11.445. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11445.htm. Acesso em 24/02/2009.
CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico. São Paulo: Cortez, 2004.
GUIMARÃES, Mauro. Armadilha paradigmática na educação ambiental. In: LOUREIRO, Carlos Frederico B., LAYRARGUES, Philippe Pomier, e CASTRO, Ronaldo Souza de. (orgs.). Pensamento complexo, dialética e Educação Ambiental. São Paulo: Cortez, 2006.
LIMA, Roberta de Abreu e VIEIRA, Vanessa. O WWF alerta para o esgotamento dos recursos naturais.2008. http://arquivoetc.blogspot.com/2008/11/o-wwf-alerta-para-o-esgotamento-dos.html. Acesso em 12/03/2009.
SAITO, Carlos Hiroo. Política Nacional de educação ambiental e construção da cidadania: desafios contemporâneos. In: RUSCHEINSKY, Aloísio. (org.). Educação Ambiental: abordagens múltiplas. Porto Alegre: Artmed, 2002.
VELASCO, Sírio Lopez. Querer-poder e os desafios socioambientais do século XXI. In: RUSCHEINSKY, Aloísio. (org.). Educação Ambiental: abordagens múltiplas. Porto Alegre: Artmed, 2002.